A maior vítima de trotes já aparecida
na Rua da Praia foi o irritadíssimo e bem apessoado Tucha, barbeiro e
cabeleireiro de fama, estabelecido com o seu Royal Salon no andar superior da
Confeitaria Central, no largo dos Medeiros. Tentava ele revidar as
brincadeiras, perdendo-se nos palavrões, enquanto os fregueses ficavam
esperando o término de suas furiosas e infindáveis arengas telefônicas. Alguns
deles, dado o tempo perdido , até paravam de aparecer. A partir de determinada
época, para não escandalizar as clientes ou os menos íntimos, o barbeiro mandou
instalar pequena cabine à prova de som, respondendo às gozações sem
constrangimentos. Era enorme a legião de pessoas que ligavam para divertir-se
às suas custas. Seus maiores algozes, porém, foram o radiologista Nestor
Barbosa e o folclórico Oddone Greco. Tinham estes a habilidade de fazer troças
justo nos momentos de maior distração ou desproteção psicológica do barbeiro,
fazendo-o cair às vezes em situações primárias. E não era tarefa fácil pregar
peças no Tucha, pois com o decorrer dos anos acabou adquirindo grande
experiência e agilidade nas respostas.
Quando Oddone ouvia no rádio ou lia
no jornal a comunicação do extravio de algum animal de estimação, ligava para o
dono e informava a localização:
- ... É isso mesmo, quem
encontrou um igualzinho à descrição foi o seu Tucha, do Royal Salon. Ele gostou
tanto do bichinho que o levou para a casa. Vá lá ou telefone, tenho certeza que
ele devolve.
Greco fazia isso toda vez que se
tratava de pequineses, pois o barbeiro tinha dois. A princípio, Tucha não
entendia por que tantas pessoas queriam saber logo com ele sobre bichos
perdidos. Pior ficava quando as pessoas achavam que ele não queria devolver:
- ... Mas, seu Tucha, eu sei que o senhor também gosta de
cachorro, por isso lhe peço, a minha netinha está tão triste! Por que o senhor
não devolve? Não pode ser tão desalmado assim!
Ao perceber
a brincadeira, o barbeiro passou a esclarecer, indignado:
- Olhe, minha senhora, quem
fez isso só pode ser um daquele dois cretinos, o Oddone Greco ou o Nestor
Barbosa. Tudo o que se perde nesta cidade e as pessoas anunciam, indicando
número de telefone, eles chamam e dizem que fui eu quem encontrou.
Eram tantas as que Nestor Barbosa
aplicava em Tucha que as pessoas mais chegadas. Ao encontrar o médico, iam logo
perguntando:
- Então,
como é que vai o Tucha?
Até a
família do radiologista comentava seus trotes no coitado do barbeiro. Certa
vez, Nestor foi visitar a mãe, dona Djanira, e levou junto as filhas. Lá
chegando, as meninas saíram correndo na frente e entraram na casa, à procura da
avó. Ao encontrá-la, levaram um susto: Tucha lá estava, arrumando os cabelos
dela. Assustadas, voltaram correndo:
- Pai,
pelo amor de Deus, não entra! O Tucha taí, ele vai querer te bater!
O médico acalmou-se e foi. Beijou a mãe, cumprimentou formalmente o barbeiro e sentou-seem silêncio. Daí
a pouco, Tucha disse:
O médico acalmou-se e foi. Beijou a mãe, cumprimentou formalmente o barbeiro e sentou-se
- Sabe,
dona Djanira, eu acho que este seu filho aqui anda me passando uns trotes...
- Quem, o Nestor? -
respondeu espantada a velha senhora, de quem o filho herdara o espírito
brincalhão.
- Ora, Tucha, será que eu
não tenho mais nada para fazer que estar perdendo tempo com trotes? - interveio
Nestor, entre chocado e indignado.
- É -
retrucou o barbeiro - , mas eu ando muito desconfiado contigo.
- Olha, quem deve andar te
dando trote é outro, porque eu não sou. Quem ouvi comentando que te passara um
foi o Greco. Fala lá com ele, mas não comigo!
No dia seguinte, na hora de maior
movimento do salão, Nestor, disfarçando a voz, ligou para Tucha e, educado,
perguntou:
- O
senhor está muito ocupado agora?
- Mais
ou menos, por quê?
Eu precisava dos seus
serviços aqui em casa, tenho encontro importante hoje á noite. Será que poderia
vir à tardinha?
- Pois
não - disse o barbeiro - é pra fazer o quê?
- É
pra lavar, cortar e fazer permanente nos pentelhos.
(Do livro Anedotário da Rua da Praia, de Renato
Maciel de Sá Júnior)
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