quarta-feira, 16 de abril de 2014

Tucha e os trotes



A maior vítima de trotes já aparecida na Rua da Praia foi o irritadíssimo e bem apessoado Tucha, barbeiro e cabeleireiro de fama, estabelecido com o seu Royal Salon no andar superior da Confeitaria Central, no largo dos Medeiros. Tentava ele revidar as brincadeiras, perdendo-se nos palavrões, enquanto os fregueses ficavam esperando o término de suas furiosas e infindáveis arengas telefônicas. Alguns deles, dado o tempo perdido , até paravam de aparecer. A partir de determinada época, para não escandalizar as clientes ou os menos íntimos, o barbeiro mandou instalar pequena cabine à prova de som, respondendo às gozações sem constrangimentos. Era enorme a legião de pessoas que ligavam para divertir-se às suas custas. Seus maiores algozes, porém, foram o radiologista Nestor Barbosa e o folclórico Oddone Greco. Tinham estes a habilidade de fazer troças justo nos momentos de maior distração ou desproteção psicológica do barbeiro, fazendo-o cair às vezes em situações primárias. E não era tarefa fácil pregar peças no Tucha, pois com o decorrer dos anos acabou adquirindo grande experiência e agilidade nas respostas.

Quando Oddone ouvia no rádio ou lia no jornal a comunicação do extravio de algum animal de estimação, ligava para o dono e informava a localização:
- ... É isso mesmo, quem encontrou um igualzinho à descrição foi o seu Tucha, do Royal Salon. Ele gostou tanto do bichinho que o levou para a casa. Vá lá ou telefone, tenho certeza que ele devolve.

Greco fazia isso toda vez que se tratava de pequineses, pois o barbeiro tinha dois. A princípio, Tucha não entendia por que tantas pessoas queriam saber logo com ele sobre bichos perdidos. Pior ficava quando as pessoas achavam que ele não queria devolver:
          - ... Mas, seu Tucha, eu sei que o senhor também gosta de cachorro, por isso lhe peço, a minha netinha está tão triste! Por que o senhor não devolve? Não pode ser tão desalmado assim!

Ao perceber a brincadeira, o barbeiro passou a esclarecer, indignado:
- Olhe, minha senhora, quem fez isso só pode ser um daquele dois cretinos, o Oddone Greco ou o Nestor Barbosa. Tudo o que se perde nesta cidade e as pessoas anunciam, indicando número de telefone, eles chamam e dizem que fui eu quem encontrou.

Eram tantas as que Nestor Barbosa aplicava em Tucha que as pessoas mais chegadas. Ao encontrar o médico, iam logo perguntando:
- Então, como é que vai o Tucha?

Até a família do radiologista comentava seus trotes no coitado do barbeiro. Certa vez, Nestor foi visitar a mãe, dona Djanira, e levou junto as filhas. Lá chegando, as meninas saíram correndo na frente e entraram na casa, à procura da avó. Ao encontrá-la, levaram um susto: Tucha lá estava, arrumando os cabelos dela. Assustadas, voltaram correndo:
- Pai, pelo amor de Deus, não entra! O Tucha taí, ele vai querer te bater!
O médico acalmou-se e foi. Beijou a mãe, cumprimentou formalmente o barbeiro e sentou-se em silêncio. Daí a pouco, Tucha disse:
- Sabe, dona Djanira, eu acho que este seu filho aqui anda me passando uns trotes...
- Quem, o Nestor? - respondeu espantada a velha senhora, de quem o filho herdara o espírito brincalhão.
- Ora, Tucha, será que eu não tenho mais nada para fazer que estar perdendo tempo com trotes? - interveio Nestor, entre chocado e indignado.
- É - retrucou o barbeiro - , mas eu ando muito desconfiado contigo.
- Olha, quem deve andar te dando trote é outro, porque eu não sou. Quem ouvi comentando que te passara um foi o Greco. Fala lá com ele, mas não comigo!

No dia seguinte, na hora de maior movimento do salão, Nestor, disfarçando a voz, ligou para Tucha e, educado, perguntou:
O senhor está muito ocupado agora?
- Mais ou menos, por quê?
 Eu precisava dos seus serviços aqui em casa, tenho encontro importante hoje á noite. Será que poderia vir à tardinha?
- Pois não - disse o barbeiro - é pra fazer o quê?
- É pra lavar, cortar e fazer permanente nos pentelhos.


(Do livro Anedotário da Rua da Praia, de Renato Maciel de Sá Júnior)

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