quinta-feira, 17 de abril de 2014

Contos curtos

José Cândido de Carvalho

Adeus tardes fagueiras à sombra das laranjeiras
de Casemiro de Abreu

Alcimaco Azambuja, dono de muito boi e muito voto em Pirapora, tendo de resolver umas coisas e loisas com o governo, rebocou Zizinho Pinto para terras e mares do Rio de Janeiro. E, na porta do Palácio do Catete, que naqueles dias comandava a vida do Brasil, falou para o compadre Zizinho:

- Vou ver uns papéis que estão entalados nas gavetas do governo. Venha comigo.

Zizinho recusou:

- Compadre, careço de competência para pisar chão tão mimoso. Vou quedar do lado de fora, assuntando o compadre.

O compadre sumiu pela larga porta de entrada enquanto Zizinho, instalado num bom cigarro de palha, ficava vendo aquele entrar e sair de gente em formato de formiga de correição. Alcimaco, depois de desencravar seus papéis, voltou e quis saber a opinião de Zizinho Pinto:

- Compadre, gostou do Catete? Coisa assim não tem em Pirapora.

E Zizinho
de Pirapora:

- Eta, compadre, lugarzinho bom de especial para um varejo, para um comercinho de cachaça e rapadura!

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

Em boca fechada bem-te-vi não faz ninho

Campos de Melo passou todos os anos de sua vereança sem dar uma palavra. Era o boca-de-siri da câmara municipal de Cuité. Até que, uma tarde, ergueu o busto, como quem ia falar. O presidente da Mesa, mais do que depressa, disse:

- Tem a palavra o nobre vereador.

Então, em meio do grande silêncio, o grande mudo falou.

- Peço licença para fechar a janela, pois estou constipado.


José Cândido de Carvalho

Romancista brasileiro nascido em Campos dos Goitacases, RJ, em 5.8.1914, cuja reputação deveu-se a publicação do livro O coronel e o lobisomem (1964). Formado em direito, radicou-se (1939) na capital do estado, onde fez carreira na imprensa.

Sua estréia literária ocorreu com o romance Olha para o céu, Frederico (1939), mas a consagração veio com O coronel e o lobisomem (1964), um romance centrado nos costumes, lendas, tipos, vida política e folclore da zona açucareira do norte fluminense, e premiado pela Academia Brasileira de Letras, o PEN Clube do Brasil e a Câmara Brasileira do Livro, e reeditado várias vezes.

Eleito para a Academia Brasileira de Letras (1974), morreu em Niterói, RJ, em 1° de agosto de 1989. Em sua obra também despertaram interesse Por que Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon (1971), Um ninho de mafagafos cheio de mafagafinhos (1972), Ninguém mata o arco-íris (1972) e Manequinho e o anjo de procissão (1974).

Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/


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