segunda-feira, 21 de abril de 2014

Dicionário Crioulo



Cusco é cachorro campeiro
No Dicionário do pago,
Gaudério é o índio vago
Que vai cruzando a existência...

China é a flor da inocência,
Feita por Nosso Senhor,
Para, com graça e amor,
Ser dona desta querência!

O Potro − é o cavalo xucro
Que deixou de ser Potrilho,
Depois de levar lombilho
Já se chama Redomão;

Mate-Amargo e Chimarrão
É o chá de bomba e porongo
Que se chupa em trago longo
Desde o berço à extrema-unção!

Poncho é um pano redondo
Com abertura no meio;
É a barraca sem esteio
Que o guasca leva aonde vai.
Traste mais útil não “hai”
Se estia não atrapalha
É o cobertor e mortalha
Do gaúcho quando cai!

Pala é poncho com franjas
De seda, alpaca e algodão,
Não há piá no rincão
Que não lhe faça um esboço!

Tem um furo para o pescoço.
E dá quase no garrão...
O Bichará, feito à mão,
É uma pala de lã bem grosso.

Tirador − é um avental
De capivara ou de pardo,
Todo franjado, é um resguardo
Inteiriço e sem costura
Que nos livra a queimadura
Do laço quando golpeia,
Tem índio até que passeia
Com ele atado à cintura.

Laço − é uma corda trançada
De Ilhapa, Argola e Presilha;
Cada volta é uma rodilha
Que se desmancha em Armada;
E depois de arreboleada,
Dando uma volta no braço,
Se faz o Tiro de Laço
Na rês, correndo ou parada!

Pialo − é o tiro de laço
Nas duas patas dianteiras,
Campo fora ou na mangueira
Onde um golpeia outro agarra,
Entre risadas de farra
Pois sempre termina em tombo
Por cima é de Sobre-Lombo,
E, por baixo, é de Cucharra!

Sovéu − é um laço grosso
Torcido em vez de trançado,
Traste rude, mais usado
No serviço de mangueira,
Se ata com ele tambeira,
Por que não assa e não queima
E, na soga, é tira-teima
Da eguada disparadeira!

O Maneador − é uma tira
Do couro largo, loneado,
Que depois de bem sovado
Faz vez de soga e maneia,
Pois não assa quando enleia
No redomão caborteiro,
E serve de Travesseiro
Pra o índio que gineteia!

Travesseiro − em língua xucra,
É um pelego ou maneador,
Que acompanha o domador
Na cabeça do lombilho
E serve muito de auxílio
Quando um potro esconde o rasto
Prendendo o xiru no basto
Mais firme do que um Atílio!

Cabresto e o Buçal
− Guascas da mesma família! −
Um tem Argola e Presilha;
Outro, fiador, pescoceira,
Cabeçada e focinheira;
Botão grosso reforçado
Que sendo bem abotoado
Só que rebente a tronqueira!

Boleadeiras, são três pedras
Acolheradas no mais,
De uso na caça aos baguais
Pelos gaúchos de antanho;
Duas pedras de um tamanho
E a Maniola, diferente
É a que vai na mão da gente,
Donde vem seu nome estranho.

Bota Garrão de Potro
Velho traste barbaresco
É feita de couro fresco
Do cavalo, recém morto;
Tem até muito conforto
E a macanuda vantagem
De, mesmo rude e selvagem,
Servir em qualquer pé torto!

Borrachão e o Cantil.
− Duas vasilhas do pampa! −
O Borrachão é uma guampa
Com fundo de ipê ou angico
E o Cantil − traste “milico”
Que se extraviou na campanha,
Quase sempre levam canha
Pra os devotos de “São Bico”.

O Tirador, a Chilena,
A Carreta, o Redomão,
A Cordeona, o Chimarrão
O Guaipeca, o Índio Vago,
A Carreirada e o Trago,
A China e a Guampa de Apojo
Nada mais são que o Ajoujo
Que prende a gente no pago!
                        

Jayme Caetano Braun
da “Estância da Poesia Crioula”.


Carreteiros - foto de Lunara



8 comentários:

  1. Olá amigo.
    Fiquei muito feliz ao ver este antigo poema gaudério que eu sempre soube de cor.
    Aproveito para dizer que faltou uma frase que abaixo indico:

    ...Que não lhe faça um esboço!

    "Tem um furo para o pescoço"

    E dá quase no garrão...

    Grande abraço.

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  2. Muito agradecido, amigo Jones Johnson, já fiz a devida correção. Obrigado, mais uma vez, pela sua leitura de nosso modesto almanaque.

    Nilo Moraes

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  3. faz anos que estava atras dessa poesia antiga muito Obrigado,minha vó tinha ela guardada em um caderno mais de 30 anos e perdeu agora consegui de volta pra ela obrigado

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  4. Obrigado pela leitura de nosso almanaque, amigo Vinicius.

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  5. No Tirador falta a última frase:
    Com ele atado a cintura.

    Que felicidade ter acesso a essa letra que me reporta a minha infância. Obrigada

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    1. Realmente, faltava o último verso, que já foi colocado no
      Dicionário. Obrigado pelas leituras e pela colaboração.

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  6. Que maravilha! Eu reclamei este poema numa festa de escola, na semana farroupilha, quando cursava a sétima série do ensino fundamental! Que recordação linda!

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  7. Obrigado pelas palavras, continua lendo e prestigiando o nosso almanaque.

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