O Papel e a Tinta
Certo dia, uma folha de papel que
estava em cima de uma mesa, junto com outras folhas exatamente iguais a ela,
viu-se coberta de sinais. Uma pena, molhada de tinta preta, havia escrito uma
porção de palavras em toda a folha.
- Será que você não podia ter me poupado esta
humilhação? disse, furiosa, a folha de papel para a tinta..
- Espere! Respondeu a tinha. – Eu não estraguei você.
Eu cobri você de palavras. Agora você não é mais apenas uma folha de papel, mas
sim uma mensagem. Você é a guardiã do pensamento humano. Você se transformou
num documento precioso.
E, realmente, pouco depois, alguém
foi arrumar a mesa e apanhou as folhas de papel para jogá-las na lareira. Mas
subitamente reparou na folha escrita com tinta, e então jogou fora todas as
outras, guardando apenas a que continha uma mensagem escrita.
A Neve
No cume de uma montanha muito
alta havia uma pedra. E na borda da pedra havia um floco de neve.
A neve olhou para o universo em torno e pôs-se a pensar
consigo mesma:
- As pessoas devem achar que sou convencida e
presunçosa, e é verdade! Como pode um pedacinho de neve, um mero floco de neve,
como eu, permanecer aqui no alto sem sentir vergonha? Qualquer pessoa que olhe
para esta montanha pode ver que todo o resto da neve está mais embaixo. Um
pequenino floco de neve, como eu, não tem direito a alturas tão vertiginosas, e
chego a merecer que o sol faça comigo o mesmo que fez ontem com meus
companheiros, derretendo-me com um simples olhar. Mas vou escapar à justa ira
do sol descendo para um nível mais apropriado para alguém tão pequeno como eu.
Ao dizer isto, o pequenino floco de
neve, rígido de frio, atirou-se do alto da pedra e rolou para baixo do cume da
montanha. Porém quanto mais rolava maior se tornava. Em breve transformou-se
numa grande bola de neve e depois em avalanche. Finalmente
parou numa colina, e a avalanche era tão grande quanto a colina que ficava por
baixo dela.
E por isso, quando chegou o verão, essa foi a última neve a ser derretida pelo sol.
E por isso, quando chegou o verão, essa foi a última neve a ser derretida pelo sol.
Esta fábula é para os humildes, pois eles serão exaltados.
A navalha
Era uma vez uma navalha de
excelente qualidade, que morava numa barbearia. Um dia, em que a loja estava
vazia, ela resolveu dar uma voltinha. Soltou-se do cabo e saiu a apreciar o
lindo dia de primavera.
Quando a navalha viu o reflexo do
sol em si mesma, ficou surpresa e encantada. A lâmina de aço lançava uma luz
tão brilhante que, subitamente, com excessivo orgulho, a navalha disse a si
mesma:
– E eu vou voltar para aquela
loja de onde acabei de fugir? É claro que não! Os deuses não podem querer que
uma beleza tal como a minha seja desonrada desta maneira. Seria loucura ficar
aqui cortando as barbas ensaboadas daqueles camponeses, repetindo sem cessar a
mesma tarefa mecânica! Será que minha beleza foi realmente feita para um
trabalho desses? Certamente não! Vou esconder-me num local secreto e passar o
resto da vida em paz.
E em seguida foi procurar um esconderijo onde ninguém a
visse.
Passaram-se meses. Um dia a
navalha teve vontade de respirar ar fresco. Saiu cautelosamente de seu refúgio
e olhou para si mesma.
Ai, que acontecera? A lâmina
estava horrorosa, parecendo uma serra enferrujada, e não refletia mais a luz do
sol.
A navalha ficou muito arrependida
pelo que havia feito, e lamentou amargamente a irreparável perda, dizendo:
– Oh, como teria sido melhor se
eu tivesse conservado em forma a minha linda lâmina, cortando barbas
ensaboadas! Minha superfície teria permanecido brilhante a minha borda afiada!
Agora aqui estou eu, toda corroída e coberta de uma horrível ferrugem! E não há
nada a fazer!
O triste fim da navalha é o mesmo que sucede às pessoas inteligentes
que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. Essas pessoas, assim como a
navalha, perdem o brilho e a parte afiada de seu intelecto, sendo logo
corroídas pela ferrugem da ignorância.
Do livro “Fábulas e Lendas”, de
Leonardo da Vinci.
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