Anunciou-se
que São Paulo ia ter bondes elétricos. Os tímidos veículos puxados a
burros, que cortavam a morna cidade provinciana, iam desaparecer para sempre. Não
mais veríamos, na descida da ladeira de Santo Antônio, frente à nossa casa, o
bonde descer sozinho equilibrado pelo breque do condutor. E o par de burros
seguindo depois.
Uma febre de curiosidade tomou as
famílias, as casas, os grupos. Como seriam os novos bondes que andavam magicamente,
sem impulso exterior? Eu tinha notícia pelo pretinho Lázaro, filho da
cozinheira de minha tia, vinda do Rio, que era muito perigoso esse negócio de
eletricidade. Quem pusesse os pés nos trilhos ficava ali grudado e seria
esmagado fatalmente pelo bonde. Precisava pular.
(...)
(...)
Um mistério esse negócio de
eletricidade. Ninguém sabia como era. Caso é que funcionava. Para isso as ruas
da pequena são Paulo de 1900 enchiam-se de fios e de postes. (...)
Um amigo de casa informava: - o bonde
pode andar até a velocidade de nove pontos. Mas, aí é uma disparada dos diabos.
Ninguém agüenta. É capaz de saltar dos trilhos. E matar todo o mundo...
A cidade tomou um aspecto de
revolução. Todos se locomoviam, procuravam ver. E os mais afoitos queriam ir
até à temeridade de entrar no bonde, andar de bonde elétrico!
Naquele dia de estréia ninguém pagava
passagem, era de graça. A afluência tornou-se, portanto, enorme.
No centro agitado, eu desci a ladeira
de São João que não era ainda a Avenida de hoje. Fiquei na esquina da rua
Líbero Badaró, olhando para o largo de São Bento, de onde devia sair a
maravilha mecânica.
A tarde caía. Todos reclamavam. Por
que não vem? Anunciava-se que a primeira linha construída era a da Barra Funda.
É pra casa do prefeito! – O bonde deixava o largo de São Bento, entrava na rua
Líbero, subia a rua São João.
Um murmúrio tomou conta dos
ajuntamentos. Lá vinha o bicho! O veículo amarelo e grande ocupou os trilhos do
centro da via pública. Um homem de farda azul e boné o conduzia, tendo ao lado
um fiscal. Uma alavanca de ferro prendia-o ao fio esticado, no alto. Uma
campainha forte tilintava abrindo as alas convergentes do povo. Desceu devagar.
Gritavam:
- Cuidado! Vem a nove pontos!
Um italiano dialetal exclamava para o
filhinho que puxava pelo braço:
- Lá vem os bonde! Toma cuidado!
- Lá vem os bonde! Toma cuidado!
O carro lerdo aproximou-se. Fez a
curva. Estava apinhado de pessoas, sentadas, de pé. Uma mulher exclamou:
- Ota gente corajosa! Anda
nessa geringonça!
Passou. Parou adiante, perto do local
onde se abre hoje a Avenida Anhangabaú. Houve tumulto. Acidente? Não andava
mais, gente corria de todos os lados. Muitos saltavam. – Rebentaram a trave do
lado! Não é nada!
Tiraram a trave quebrada, o veículo
encheu-se de novo, continuou mais devagar ainda, precavido.
E ficou pelo ar, ante o povo
boquiaberto que rumava para as casas, a atmosfera dos grandes acontecimentos.
Nas ruas, os acendedores de lampião passavam com suas varas ao ombro acendendo
os acetilenos da iluminação pública.
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