terça-feira, 15 de abril de 2014

Pequena história de um poema



Num texto do historiador Sérgio da Costa Franco sobre a Rua José de Alencar, há a seguinte passagem: No outro extremo da rua, perto da Praia de Belas, muito antes disso, no princípio do século, morava meu tio-avô Américo Moreira (1856-1927), agente de seguros e poeta bissexto. Um de seus sonetos – o “Brinde de Honra” – prosperou nos álbuns e salões antigos com uma famosa chave de ouro:

Um anjo como tu, quando se brinda,
Tem-se a missão cumprida, e a festa finda:
Quebra-se a taça e não se bebe mais.

Com a última estrofe do soneto, o admirador baixava com força a taça com que brindava à amada, espatifando-a no chão, ou na mesa, causando exclamações, aplausos e, muitas vezes, ganhando o afeto da homenageada.

Com o tempo, este soneto foi muitas vezes declamado em aniversários pelo namorado da moça que completava anos, sempre dando um pequeno prejuízo para a dona da casa que, invariavelmente, perdia uma taça de sua coleção. Mas a moça ficava visivelmente emocionada com tal homenagem, sem saber que o poeta (autor do poema declamado) não teve uma carreira literária de sucesso, mas passou para a história de muitos enamorados que queriam impressionar as suas amadas e futuras esposas.

Brinde Honra

Américo Moreira

Se há nesta terra um Deus para os acasos,
Que, pela humanidade, o bem reparte,
Que alegrias te dê, sem leis nem prazo,
E venturas te dê por toda a parte.

Eu, de alegrias, tenho os olhos rasos
De lágrimas, querida, ao vir brindar-te,
Quando sinto que até para saudar-te
As flores se debruçam sobre os vasos.

O meu brinde é sumário, curto e breve.
Se um nome que se quer, quando se escreve,
Quebra-se a pena em traços ideais,

Um anjo como tu, quando se brinda,
Tem-se a missão cumprida, e a festa finda:
Quebra-se a taça e não se bebe mais.

Américo Moreira (1856 ‒ 1927) nasceu no Rio de Janeiro e morou, no final de sua vida, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

P.S. Há um soneto na Internet chamado “Soneto de Homenagem”, atribuído a Antero de Quental, com os seguintes versos:

Se há nesta vida um Deus para os acasos,
Que pela humanidade o bem reparte,
Que te dê da fortuna a melhor parte
Que venturas te dê, sem lei nem prazos.

Eu, de alegrias, tenho os olhos rasos
de lágrimas, querida, ao vir brindar-te
Quando vejo que até para saudar-te,
As flores se debruçam sobre os vasos.

O meu brinde é sumário, curto e breve.
Se o nome que se quer, quando se escreve,
Move-se a pena com traços ideais.

Um anjo como tu, quando se brinda,
Tem-se a missão cumprida e a festa finda.
Quebra-se a taça e não se bebe mais.

Se alguém tiver a Antologia completa dos sonetos de Antero de Quental, verá que este soneto não consta lá; e o estilo do poeta português é completamente diferente do estilo do brasileiro Américo Moreira.

P.S. Américo Moreira era carioca assim como sua esposa Ema e não tiveram filhos. Ele era irmão de Ercilia Gonçalves Moreira da Costa Franco. Era irmão, também, de Heloisa Gonçalves Moreira Buarque de Hollanda, mãe de Sergio Buarque de Holanda e avó de Chico Buarque.



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