Por Arnaldo Branco
Todo mundo sabe que Pelé marcou seu
milésimo gol no dia 19 de novembro de 1969 e que, por uma feliz coincidência, o
evento histórico se deu no Maracanã, então o maior estádio do mundo. O que
ninguém sabe é que não foi bem uma coincidência.
A verdade é que as redes que detinham
os direitos de transmissão estavam determinadas a garantir que o gol do
artilheiro do Santos saísse no Rio de Janeiro, não só porque os índices de
audiência seriam maiores, mas porque os operadores de câmera concordavam que só
os refletores do Estádio Mário Filho iluminaram com propriedade a dimensão épica
do momento.
Pelé marcou o gol número 998 no
Recife, contra o Santa Cruz, pela Taça Brasil. Ainda faltavam dois jogos até a
próxima partida no Maracanã, contra o Vasco, e tudo indicava que o Botafogo da
Paraíba e o Bahia iriam afrouxar a marcação em cima do rei pelo privilégio de
sofrer o milésimo tento. O que demonstra o quanto o futebol era mais romântico naqueles
tempos − ou então como a tal Taça Brasil não valia absolutamente nada.
Uma estratégia de guerra foi montada
no jogo contra o Botafogo-PB. Repórteres de campo receberam uma lista de
apelidos que Pelé odiava para irritá-lo durante suas investidas ao ataque. Não
adiantou. Pelé marcou o gol 999 logo no 1º tempo. Por sorte, o time adversário
estava tão disposto a deixar o rei fazer outro (o goleiro chegou a cobrar um
tiro de meta em cima dele pra ver se a rebatida entrava), que o craque decidiu
não manchar o gol mil com a suspeita de fraude. No 2º tempo, o goleiro santista
simulou uma contusão e Pelé foi defender a meta em seu lugar.*
No jogo contra o Bahia, tudo de novo.
Estrategicamente posicionados na arquibancada, funcionários da TV
Soteropolitana usaram espelhos para refletir o sol no rosto de Pelé. Fotógrafos
disparavam flashes toda vez que o camisa 10 do Santos se aproximava da linha de
fundo − recurso ainda mais enervante porque a partida foi disputada durante o
dia. De qualquer maneira, as câmeras não tinham filme.
Mesmo assim, não foi possível parar o
Atleta do Século em um lance. Aos 26 minutos do segundo tempo, Pelé recebeu a
bola, driblou o goleiro e chutou. A bandinha contratada pela diretoria do Bahia
ergueu o naipe de metais para tocar “A Copa do Mundo é Nossa”, mas o zagueiro
Nildo tirou em cima da linha, proeza que foi premiada com uma tremenda vaia de
sua própria torcida e a demissão do jogador no dia seguinte.*
E assim Pelé pôde fazer o milésimo
gol diante de 70.000 pagantes. E aquele pênalti, não sei não...
*Existem certas coisa que parecem
invenção, mas são inacreditavelmente verdadeiras.
(Da revista da Monet,
da NET, maio de 2009)
Pelé e seu milésimo gol
→ 19 de novembro de 1969, 23h23m.
No Maracanã, 65.157 pagantes assistem a um jogo morno numa quarta-feira: Vasco
X Santos. A partida vale pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Brasileirão da
época. O relógio marca 33 minutos do segundo tempo. O placar crava um empate
magro em 1 a
1. Mas o zagueiro Renê, do Vasco, comete um pênalti. Pelé pega a bola e se
prepara para bater. Um batalhão de centenas de fotógrafos e cinegrafistas se
aglomera atrás do gol de Andrada, goleiro cruz-maltino.
→ O resto é história. O craque do
Santos cobra com o pé direito no canto esquerdo. Andrada rezou para defender −
temia perder a fama de ótimo goleiro se levasse o milésimo gol de Pelé. Passaria
a ser conhecido como o “Arqueiro Mil”. A bola, caprichosamente, entrou e lá foi
o jogador correr para pegar a bola e guardá-la. Rodeado pelos repórteres, que
invadiram o campo, o santista disse “Pensem no Natal. Pensem nas criancinhas”.
→ No fim da partida, Pelé vestiu
uma camisa com o número 1.000 e deu a volta olímpica num Maracanã que o
aplaudia de pé, apesar da derrota dos vascaínos por 2 a 1. No vestiário, voltou a
lembrar das crianças carentes. “Ajudemos às crianças desafortunadas, que
precisam do pouco de quem tem muito”, declarou.
Acervo O Globo
Pelé em sequência de fotos do gol 1000
Pelé se prepara para
cobrar o pênalti...
Andrada, goleiro
argentino do Vasco, acerta o lado,
mas não chega na
bola...
Pelé, depois do gol
nos braços do povo:
“Ajudemos às crianças
pobres,
que precisam do pouco de quem tem muito.”
que precisam do pouco de quem tem muito.”
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