sábado, 8 de dezembro de 2018

A armação do gol 1.000

Por Arnaldo Branco


Todo mundo sabe que Pelé marcou seu milésimo gol no dia 19 de novembro de 1969 e que, por uma feliz coincidência, o evento histórico se deu no Maracanã, então o maior estádio do mundo. O que ninguém sabe é que não foi bem uma coincidência.

A verdade é que as redes que detinham os direitos de transmissão estavam determinadas a garantir que o gol do artilheiro do Santos saísse no Rio de Janeiro, não só porque os índices de audiência seriam maiores, mas porque os operadores de câmera concordavam que só os refletores do Estádio Mário Filho iluminaram com propriedade a dimensão épica do momento.

Pelé marcou o gol número 998 no Recife, contra o Santa Cruz, pela Taça Brasil. Ainda faltavam dois jogos até a próxima partida no Maracanã, contra o Vasco, e tudo indicava que o Botafogo da Paraíba e o Bahia iriam afrouxar a marcação em cima do rei pelo privilégio de sofrer o milésimo tento. O que demonstra o quanto o futebol era mais romântico naqueles tempos − ou então como a tal Taça Brasil não valia absolutamente nada.

Uma estratégia de guerra foi montada no jogo contra o Botafogo-PB. Repórteres de campo receberam uma lista de apelidos que Pelé odiava para irritá-lo durante suas investidas ao ataque. Não adiantou. Pelé marcou o gol 999 logo no 1º tempo. Por sorte, o time adversário estava tão disposto a deixar o rei fazer outro (o goleiro chegou a cobrar um tiro de meta em cima dele pra ver se a rebatida entrava), que o craque decidiu não manchar o gol mil com a suspeita de fraude. No 2º tempo, o goleiro santista simulou uma contusão e Pelé foi defender a meta em seu lugar.*

No jogo contra o Bahia, tudo de novo. Estrategicamente posicionados na arquibancada, funcionários da TV Soteropolitana usaram espelhos para refletir o sol no rosto de Pelé. Fotógrafos disparavam flashes toda vez que o camisa 10 do Santos se aproximava da linha de fundo − recurso ainda mais enervante porque a partida foi disputada durante o dia. De qualquer maneira, as câmeras não tinham filme.

Mesmo assim, não foi possível parar o Atleta do Século em um lance. Aos 26 minutos do segundo tempo, Pelé recebeu a bola, driblou o goleiro e chutou. A bandinha contratada pela diretoria do Bahia ergueu o naipe de metais para tocar “A Copa do Mundo é Nossa”, mas o zagueiro Nildo tirou em cima da linha, proeza que foi premiada com uma tremenda vaia de sua própria torcida e a demissão do jogador no dia seguinte.*

E assim Pelé pôde fazer o milésimo gol diante de 70.000 pagantes. E aquele pênalti, não sei não...

*Existem certas coisa que parecem invenção, mas são inacreditavelmente verdadeiras.

(Da revista da Monet, da NET, maio de 2009)

Pelé e seu milésimo gol
  
→ 19 de novembro de 1969, 23h23m. No Maracanã, 65.157 pagantes assistem a um jogo morno numa quarta-feira: Vasco X Santos. A partida vale pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Brasileirão da época. O relógio marca 33 minutos do segundo tempo. O placar crava um empate magro em 1 a 1. Mas o zagueiro Renê, do Vasco, comete um pênalti. Pelé pega a bola e se prepara para bater. Um batalhão de centenas de fotógrafos e cinegrafistas se aglomera atrás do gol de Andrada, goleiro cruz-maltino.

→ O resto é história. O craque do Santos cobra com o pé direito no canto esquerdo. Andrada rezou para defender − temia perder a fama de ótimo goleiro se levasse o milésimo gol de Pelé. Passaria a ser conhecido como o “Arqueiro Mil”. A bola, caprichosamente, entrou e lá foi o jogador correr para pegar a bola e guardá-la. Rodeado pelos repórteres, que invadiram o campo, o santista disse “Pensem no Natal. Pensem nas criancinhas”.

→ No fim da partida, Pelé vestiu uma camisa com o número 1.000 e deu a volta olímpica num Maracanã que o aplaudia de pé, apesar da derrota dos vascaínos por 2 a 1. No vestiário, voltou a lembrar das crianças carentes. “Ajudemos às crianças desafortunadas, que precisam do pouco de quem tem muito”, declarou.

Acervo O Globo

Pelé em sequência de fotos do gol 1000


Pelé se prepara para cobrar o pênalti...


Andrada, goleiro argentino do Vasco, acerta o lado,
mas não chega na bola...


Pelé, depois do gol nos braços do povo:
“Ajudemos às crianças pobres,
que precisam do pouco de quem tem muito.”


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