domingo, 16 de dezembro de 2018

A Verdade

(Mais uma história de pescador…)


Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho, deixando a água passar por entre seus dedos muito brancos, quando sentiu o seu anel de diamante ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai,  a donzela contou em casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margaridas. O pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante, encontraram um homem dormindo no bosque e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. A donzela lhes disse:

- Agora me lembro, não era um homem, eram dois!

E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem, e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. A donzela disse:

- Então está com o terceiro!

Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante. E o  pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante. E o encontraram no bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. Trouxeram-no para a aldeia, e o revistaram-no, e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para espanto dela.

- Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida -  gritaram os aldeões. Matem-no!

- Esperem! gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço. - Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu!

E apontou para a donzela, diante do espanto de todos.

O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois tirara a roupa e pedira que a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que deveria ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo: “Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará seu amor”. E ele sucumbira, pois era pobre e a necessidade é o algoz da honra.

Todos se viraram contra a donzela e gritaram:

- Rameira! Impura! Diaba! E exigiram seu sacrifício.

Por ironia do destino, o próprio pai passou a forca pelo pescoço da filha. Mas, antes de morrer, ela disse ao pescador:

-  Sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão me matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade?

O pescador deu de ombros e disse-lhe, baixinho, no seu ouvido:

-  A verdade é que achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? As pessoas querem violência e sexo, não histórias de pescador!

*****

Luis Fernando Veríssimo
As mentiras que os homens contam.

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