Uma vida imensa também se escreve por
linhas tortas. Sir Winston Churchill bebia diariamente desde o café da manhã
(um de seus cardápios no breakfast: ovos, linguiça, bacon, café, seguido de
uísque com soda e um charuto), era glutão (achava o jantar a hora mais
importante do dia), fumava charutos o dia e a noite inteiros, a vida toda se
sentiu rejeitado pelo pai e pela mãe, não praticava esportes (jogou polo a
cavalo, mas não de forma assídua, e, diferentemente da maioria dos ingleses,
detestava futebol), travou batalhas imensas sob a pior das tensões (uma guerra
mundial cujo destino estava em suas mãos), viajou incansavelmente durante a
Segunda Guerra (180 mil quilômetros pelo mar e pelo ar entre setembro de 1939 e
outubro de 1943, por rotas totalmente inseguras, podendo ser abatido a qualquer
momento), carregava nos ombros curvos a responsabilidade pela vida de outras
pessoas como poucos carregaram na história e... morreu com 90 anos. Seu caso é
considerado na medicina como “O efeito Churchill”.
Foi um dos raros políticos a
permanecer cinquenta anos na Câmara dos Comuns. Como Hitler, gostava de acordar
tarde. Trabalhava até as três ou quatro da manhã e tirava uma soneca depois do
almoço. Muitos diziam que uma de suas principais armas era a concentração
absoluta no trabalho. Ditava seus artigos, livros e discursos. Pronunciou 5,2
milhões de palavras em seus discursos e escreveu 13 milhões de palavras em
livros e artigos. Foi o campeão em lutar com as palavras − contra tanques,
bombardeiros e granadas. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1953.
Churchill talvez tenha sido o maior bebedor de
champanhe da história. E se não foi o maior pelo menos foi quem disse mais
frases memoráveis sobre a bebida:
“Eu bebo champanhe em todas as
refeições e, entre elas, baldes de claret com soda.” (O claret cup é um drinque tradicional inglês.)
“Do que eles precisam? De charutos,
champanhe e de uma cama de casal.” (Sobre os presentes para o casamento de seu
filho Randolph.)
“Nós vivemos de maneira frugal − mas
com um bom abastecimento das coisas essenciais da vida: banho quente, champanhe
gelada, ervilhas novas e conhaques velhos.”
“Eu não poderia viver sem champanhe:
nas vitórias, eu mereço, nas derrotas, eu preciso.”
(...)
Gostei muito do livro O fator Churchill, escrito pelo ex-prefeito de Londres Boris
Johnson. Ele conta que havia um ministro homossexual no Partido Conservador com
uma conduta pouca condizente com o chamado decoro do cargo. Um dia a polícia o
flagrou transando com um soldado da guarda do rei (aqueles da troca da guarda
em frente ao palácio, usam o dólmã vermelho e longo chapéu cilíndrico preto e
peludo) em praça pública (no Hyde Park), em pleno rigor do inverno. A imprensa
escandalosa londrina já tinha a história e foi difícil abafar o caso. O Chief Whip (líder da bancada) não teve
saída senão ir relatar o caso a Churchill. O primeiro-ministro o ouviu
atentamente, pensou um pouco, deu uma baforada no charuto e então perguntou:
− Ouvi corretamente o senhor me dizer
que esse fulano foi flagrado com um soldado do regimento?
− Sim, senhor primeiro-ministro.
− Em um banco de praça?
− Sim, senhor primeiro-ministro.
− Às três da manhã?
− Correto, senhor ministro.
− Neste mau tempo? Meu bom Deus, isso
dá na gente um orgulho danado de ser inglês!
Uma das histórias mais famosas da
Segunda Guerra Mundial dizia que, numa das vezes em que Winston Churchill
ficou hospedado na Casa Branca, estava enrolado na toalha depois do banho,
quando o presidente americano Roosevelt entrou inadvertidamente no banheiro.
Churchill deixou a toalha cair aos seus pés dizendo:
− Como o senhor vê, nada tenho a lhe
esconder...
... Churchill tomou duas atitudes na
Segunda Guerra que mostram a dimensão época de sua figura. A primeira foi ter
apelado (e sido amplamente atendido) para os donos de barcos civis ajudarem na
retirada das tropas de Dunquerque, no litoral norte da França. Parece cena de
mitologia grega. A segunda atitude foi quando, depois dos ultimatos para o
comandante francês se render na base francesa de Mers-el-Kébir, ter tido a
coragem de bombardear os navios (aliados) da França a fim de evitar sua
integração à esquadra alemã. Parece até provação bíblica. É preciso ter muita
convicção de seus atos para, mesmo na guerra, tomar uma decisão terrível como
essa. É como se ele tivesse se atirado de um desfiladeiro, sem proteção, para o
julgamento futuro da história. Acabada a Segunda Guerra, Churchill disse que
uma “cortina de ferro” (foi o primeiro a usar a expressão) baixava sobre a
Europa e previu a Guerra Fria. Talvez ninguém tenha feito mais pela causa da
democracia. Ela entrou humilhada na Segunda Guerra e, ao final, saiu mais
fortalecida do que nunca como valor universal, em grande parte por causa de
Winston Churchill.
(Do livro “O Livro de
Jô uma autobiografia desautorizada
Volume 2” , de Jô Soares e Matinas Suzuki
Jr.)
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