sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Pivete*



Chico Buarque e Francis Hime
  
No sinal fechado,
Ele vende chiclete,
Capricha na flanela
E se chama Pelé.

Pinta na janela,
Batalha algum trocado,
Aponta um canivete
E até...
Dobra a Carioca, olerê,
Desce a Frei Caneca, olará,
Se manda pra Tijuca,
Sobe o Borel.

Meio se maloca,
Agita numa boca,
Descola uma mutuca
E um papel.
Sonha aquela mina, olerê,
Prancha, parafina, olará,
Dorme gente fina,
Acorda pinel.

Zanza na sarjeta,
Fatura uma besteira
E tem as pernas tortas
E se chama Mané.
Arromba uma porta,
Faz ligação direta,
Engata uma primeira
E até...
Dobra a Carioca, olerê,
Desce a Frei Caneca, olará,
Se manda pra Tijuca
Na contramão.
Dança para-lama,
Já era para-choque,
Agora ele se chama
Emersão.
Sobe no passeio, olerê,
Pega no Recreio, olará,
Não se liga em freio,
Nem direção.

No sinal fechado,
Ele transa chiclete,
E se chama pivete
E pinta na janela,
Capricha na flanela,
Descola uma bereta,
Batalha na sarjeta,
E tem as pernas tortas...

* (...) Pivete composta em parceria com Francis Hime, miniestória do cotidiano de um menor de idade que vive na rua, e já se encontra completamente mergulhado na marginalidade, pela droga e pela violência:

(Ele) batalha algum trocado
Aponta um canivete
(...) Agita uma boca
Descola uma mutuca
(...) Dorme gente fina
Acorda pinel
Zanza na sarjeta
(...) Descola uma bereta

Pivete é a miniestória do cotidiano de um menor de idade que vive na rua, e já se encontra completamente mergulhado na marginalidade, pela droga e pela violência. A total despersonalização do garoto é sugerida pela elipse do sujeito de todos os verbos do texto. A linguagem empregada é a gíria dos marginais: “mutuca” (pacotinho de maconha), “pinel” (adoidado), etc... E quando o autor descreve o roubo de um carro pelo pivete, ficção e realidade se confundem, o autor se torna personagem:

(...) Arromba uma porta
Faz ligação direta
Engata uma primeira
E até.

Comentário crítico de Cristina Duarte no livro:
“Vivendo a muque. Malandros, pivetes e ladrões
 no cancioneiro de Chico Buarque”

P.S. Escute essa canção na voz do próprio letrista: Chico Buarque, ela está na internet...

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