Luis Fernando
Veríssimo
Querida, eu juro que não era eu.
Que coisa ridícula! Se você estivesse aqui – Alô? Alô? – olha, se você
estivesse aqui ia ver a minha cara, inocente como o Diabo. O quê? Mas como,
ironia? “Como o Diabo” é força de expressão, que diabo. Você acha que eu ia
brincar numa hora desta? Alô! Eu juro, pelo que há de mais sagrado, pelo túmulo
de minha mãe, pela nossa conta no banco, pela cabeça dos nossos filhos, que não
era eu naquela foto de carnaval no Cascalho que saiu na Folha da Manhã. O quê? Alô! Alô! Como é que eu sei qual é a foto?
Mas você não acaba de dizer… Ah, você não chegou a dizer… ah, você não chegou a
dizer qual era o jornal. Bom, bem. Você não vai acreditar mas acontece que eu
também vi a foto. Não desliga! Eu também vi a foto e tive a mesma reação. Que
sujeito parecido comigo, pensei. Podia ser gêmeo. Agora, querida, nunca, em
nenhum momento, está ouvindo? Em nenhum momento me passou pela cabeça a ideia
de que você fosse pensar – querida, eu estou até começando a achar graça −, que
você fosse pensar que aquele era eu. Por amor de Deus. Pra começo de conversa,
você pode me imaginar de pareô vermelho e colar havaiano, pulando no Cascalho
com uma bandida em cada braço? Não, faça-me o favor. E a cara das bandidas!
Francamente, já que você não confia na minha fidelidade, que confiasse no meu
bom gosto, poxa! O quê? Querida, eu não disse “pareô vermelho”. Tenho a mais
absoluta, a mais tranquila, a mais inabalável certeza que eu disse apenas
“pareô”. Como é que eu podia saber que era vermelho se a fotografia não era em
cores, certo? Alô? Alô? Não desliga! Não… Olha, se você desligar está tudo
acabado. Tudo acabado. Você não precisa nem voltar da praia. Fica aí com as
crianças e funda uma colônia de pescadores. Não, estou falando sério. Perdi a
paciência. Afinal, se você não confia em mim não adianta nada a gente
continuar. Um casamento deve se… se… como é mesmo a palavra?… se alicerçar na
confiança mútua. O casamento é como um número de trapézio, um precisa confiar
no outro até de olhos fechados. É isso mesmo. E sabe de outra coisa? Eu não
precisava ficar na cidade durante o carnaval. Foi tudo mentira. Eu não tinha
trabalho acumulado no escritório coisíssima nenhuma. Eu fiquei sabe para quê?
Para testar você. Ficar na cidade foi como dar um salto mortal, sem rede, só
para saber se você me pegaria no ar. Um teste do nosso amor. E você falhou.
Você me decepcionou. Não vou nem gritar por socorro. Não, não me interrompa.
Desculpas não adiantam mais. O próximo som que você ouvir será do meu corpo se
estatelando, com o baque surdo da desilusão, no duro chão da realidade. Alô? Eu
disse que o próximo som... que… O quê? Você não estava ouvindo nada? Qual foi a
última coisa que você ouviu, coração? Pois sim, eu não falei – tenho certeza
absoluta que não falei – em “pareô vermelho”. Sei lá que cor era o pareô
daquele cretino na foto. Você precisa acreditar em mim, querida. O casamento é
como um número de… Sim. Não. Claro. Como? Não. Certo. Quando você voltar pode
perguntar para o… Você quer que eu jure? De novo? Pois eu juro. Passei sábado,
domingo, segunda e terça no escritório. Não vi carnaval nem pela janela. Só vim
em casa tomar um banho e comer um sanduíche e vou logo voltar para lá. Como?
Você telefonou para o escritório? Meu bem, é claro que a telefonista não estava
trabalhando, não é, bem? Ha, ha, você é demais. Olha, querida? Alô? Sábado eu
estou aí. Um beijo nas crianças. Socorro. Eu disse, um beijo.
(Do livro “As
Mentiras que os Homens Contam”)
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