Luiz Bacellar
“Eu juro, senhor juiz,
não fui eu quem a matou,
que a pior fera do mundo
me agarre se assim não for!
Juro! Por São Jorge eu juro,
que é meu santo protetor!”
E o juiz acreditou...
..........................................
Estava lavando roupa
quando o seu crime pagou
(ainda há pouca tornara
a jurar.) Por toda a margem
do igarapé do Educandos
lavadeiras conversavam
suas roupas enxaguando.
Todo mundo comentava
a morte misteriosa
da irmã da Neca, coitada!
a infeliz era leprosa,
mas juntara algum dinheiro
na esperança de sarar.
(Dinheiro amaldiçoado,
porque Neca o cobiçara
e no inferno foi parar.)
estava batendo roupa
na beira do igarapé.
Todo mundo comentava
(o corpo fora encontrado
no quintal, semienterrado,
quase à flor da terra, pelas
folhas secas disfarçado)
e a Neca ainda jurava
por São Jorge protetor:
“Quero que o dragão me pegue
se agora mentindo estou.”
E São Jorge Ogum mandou...
Saiu das águas um bicho
coberto de limo negro
que com a Neca carregou.
Ninguém vira um jacaré
tamanho daquele jeito
mas todos viram quando ele
com a Neca arrebatou.
E com a Neca nas mandíbulas
três vezes ele boiou
pra que todo mundo visse
a falsa que perjurou.
Três vezes por toda a margem
do igarapé a mostrou.
Depois, com o corpo sangrento
da Neca preso nos dentes,
no fundo negro das águas
para sempre mergulhou.
*Do livro “Frauta de barro”, de 1963.
Luiz Franco de Sá Bacellar (Manaus,
4 de setembro
de 1928
− 9 de setembro
de 2012)
foi um poeta brasileiro.
Considerado um dos poetas mais expressivos da literatura
amazonense ganhou com sua estreia literária Frauta de barro (publicado
em 1963)
o Prêmio Olavo
Bilac da Prefeitura do
Rio de Janeiro em 1959.
Luiz Bacellar é um dos escritores
mais significativos da literatura que se produz no Amazonas. Nascido em Manaus,
no dia 4 de setembro de 1928, o poeta viveu sua infância numa época marcada
pela crise econômica que se seguiu ao fausto do "ciclo da borracha".
Sua obra é perpassada por elementos de forte componente erudito, ao mesmo tempo
em que retrata temas e motivos da cultura popular, do folclore, em particular
as vivências de sua infância no bairro dos Tocos, hoje Aparecida.
O universo poético retratado por
Bacellar, sobretudo em Frauta de Barro, constrói-se sobre o plano da memória.
Tece seus versos com os fios das lembranças, reminiscências de seu mundo
infantil. Constrói um mapa esmaecido de uma cidade corroída pelo tempo e pelas
transformações econômicas – Manaus. Não a que conhecemos hoje, surgida sob as
determinações da Zona Franca, mas a Manaus provinciana da segunda metade do
século que se encerra.
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