quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Brincadeira


Luís Fernando Veríssimo

 

Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:

− Eu sei de tudo.

Depois de um silêncio, o outro disse:

− Como é que você soube?
− Não interessa. Sei de tudo.
− Me faz um favor. Não espalha.
− Vou pensar.
− Por amor de Deus.
− Está bem. Mas olhe lá, hein?

Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.

− Sei de tudo.
− Co-como?
− Sei de tudo.
− Tudo o quê?
− Você sabe.
− Mas é impossível. Como é que você descobriu?

A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:

− Alguém mais sabe?
− Outras se tornavam agressivas:
− Está bem, você sabe. E daí?
− Daí nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
− Se você contar para alguém, eu...
− Depende de você.
− De mim, como?
− Se você andar na linha, eu não conto.
− Certo.

Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.

− Eu sei de tudo.
− Tudo o quê?
− Você sabe.
− Não sei. O que é que você sabe?
− Não se faça de inocente.
− Mas eu realmente não sei.
− Vem com essa.
− Você não sabe de nada.
− Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
− Não existe nada.
− Olha que eu vou espalhar...
− Pode espalhar que é mentira.
− Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
− Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
− Está bem. Vou espalhar.

Mas dali a pouco veio um telefonema.

− Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.
− Aquilo o quê?
− Você sabe.

Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:

− Você contou pra alguém?
− Ainda não.
− Puxa. Obrigado.

Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.

− Por que eu? – quis saber.
− A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
− Por quê?
− Pela sua discrição.

Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:

− Sei de tudo.
− Co-como?
− Sei de tudo.
− Tudo o quê?
− Você sabe.

Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia distante. Os vizinhos contam que uma noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que a voz que se ouvia era a dele, gritando:

− Era brincadeira! Era brincadeira!

Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.

Sabia demais.

(Do livro “As Mentiras que os Homens Contam”)

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