(1905-1975)
→ Li um dia num soneto, não me
lembro de que poeta brasileiro, uma palavra que achei bonita, mas cujo sentido
me era desconhecido.
− Mãe – perguntei a dona Bega,
que pespontava uma saia −, que é que quer dizer penumbra?
− Sabei-me lá, meu filho! Acho
que estás precisando dum “amansa-burro”.
No dia seguinte foi à livraria do
Doca Brinkmann e comprou um exemplar encadernado em couro (nove mil-réis) do
Dicionário prosódico de Portugal e Brasil, de João de Deus, e entregou-me o
gordo volume:
− Agora podes saber o significado de todas as palavras
→ Quando minha mãe me insinuava
que eu devia publicar meus escritos secretos no jornal local, eu repelia a
ideia, quase indignado. O “literato” nas cidades pequenas sempre foi uma
espécie de “idiota da aldeia”, sujeito olhado com certa ironia e piedade pelos
homens “normais”, espécie de bicho ridículo e inútil.
→ Quem muito me ajudou, sem o
saber, naqueles tempos psicologicamente difíceis para mim, foi Monteiro Lobato.
Li com deleite o seu Urupês, em que o autor paulista, a despeito de suas
inegáveis influências camilianas, me pareceu uma saborosa cruza de Maupassant
com Mark Twain.
→ Em 1933 publiquei Clarissa, a
história duma menina de treze anos que amanhece para a vida. É uma novela
praticamente sem intriga, do tipo “fatia de vida”. (Eu aprendera boas lições
com Katherine Mansfield, cujo Bliss viria a traduzir mais tarde.) Creio, porém,
que nesse segundo livro meu – coleção de cenas de aquarela em torno da vida
cotidiana – havia algumas ressonâncias da Clara d’Ellébeuse, de Francis James,
leitura ainda dos tempos de farmácia.
→ Na criação de Ana Terra, até
certo ponto me constrangi. Ao criar Clarissa traduzi para o sexo feminino
minhas experiências de adolescente. Usei também observações que fiz de meninas
adolescentes que conheci. Olívia é um tipo construído. Não se parece com
ninguém que conheça. Em Bibiana e Maria Valéria vali-me de meu convívio com
velhas, remotas tias, procurando meter-me na pele delas, sem o menor constrangimento.
Fernanda é mais uma ideia do que uma pessoa.
→ Trabalhei em O Continente durante
boa parte de 1947 e 1948, e um dia me surpreendi diante duma pilha assustadora
de papéis datilografados, e compreendi, vagamente apreensivo, que me seria
impossível meter toda a história dos Terra Cambará e de Santa Fé dentro dum
único volume. Seria necessário um segundo tomo. Quando mais tarde me atirei ao
trabalho dessa seqüência foi para verificar que, se quisesse chegar até 1945,
precisaria ainda de um terceiro volume. Uma trilogia então? Que fosse!
→ Desde que comecei a escrever
romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode
fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua
lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia
a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a
lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada
elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos
repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.
Textos do livro:
Criação Literária em
Érico Veríssimo, de Maria da Glória Bordini,
L&PM/EDIPUCRS,
1995.
→ O livro Caminhos Cruzados quase
o levou à cadeia, na década de 1930. Chamado à Chefatura de Polícia, teve um
diálogo surreal com seu interrogador. “Me disseram que o senhor é comunista”,
teria dito o coronel. Ao que Érico respondeu: “Engraçado. Me disseram que o
senhor é integralista”. Seguindo o próprio escritor, no livro A liberdade de escrever, a conversa não
foi muito longe.
O cartão de Érico Veríssimo
→ Relíquia foi entregue ao filho do escritor, Luis Fernando,
retornando ao seu lugar de origem.
Quando o nascimento do escritor Érico
Veríssimo (1905-1975) completou cem anos, em 2005, o fotógrafo gaúcho Leonid
Streliaev celebrou a data lançando o livro O Rio Grande de Érico Veríssimo,
onde fez uma interpretação fotográfica da obra clássica O Tempo e o Vento. A
publicação recebeu o prêmio Livro do Ano, concedido pela Câmara Rio-Grandense
do Livro.
Leonid é autor de algumas das
melhores fotos desse ícone da literatura gaúcha. O fotógrafo esteve inúmeras
vezes com Érico, produziu retratos dele, antológicos, e registrou, em belas
imagens, o universo do célebre cruz-altense. “Ele gostava muito de fotografia e
se autointitulava, além de um contador de histórias, um retratista. Dizia que
seus cenários eram reais, e os personagens, imaginários”, lembra Leonid.
Érico Veríssimo
→ Está claro que não devemos
tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que
tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas
passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um
sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso,
nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo
e as aves do céu.
Érico Lopes Veríssimo nasceu no
dia 17 de dezembro de 1905, em
Cruz Alta , no Rio Grande do Sul. Era membro de uma família
rica e tradicional que perdeu tudo no começo do século XX. Filho de Sebastião Veríssimo
da Fonseca e de Abegahy Lopes, Érico Veríssimo, como ficou conhecido, estudou
no Colégio Venâncio Alves, em
Cruz Alta.
Desde a adolescência apreciava
obras de autores brasileiros como Aluízio Azevedo, Joaquim Manuel de Macedo,
Coelho Neto e também obras de autores estrangeiros, como Dostoiévski e Walter
Scott.
Entre os anos de 1925 e 1930, trabalhou
como bancário, tornou-se sócio de uma farmácia e ainda ministrou aulas de
literatura e de inglês. Também, em 1929, iniciou sua carreira de escritor,
publicando contos em revistas e jornais. Em 1931, Érico Veríssimo casou-se com
Mafalda Halfem Volpe, com quem teve dois filhos, Clarissa Veríssimo e Luis
Fernando Veríssimo, que também é escritor.
No mesmo ano, mudou-se
definitivamente para Porto Alegre para ocupar o cargo de Secretário de Redação da
'Revista do Globo'. Em 1932, foi promovido a Diretor da 'Revista do Globo',
atuando diretamente no departamento editorial da livraria do globo.
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