sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Plágio total



Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, mas ser feliz é tudo que se quer. Eu fui condenado sem merecimento, por um sentimento, por uma paixão. Sei que detalhes tão pequenos de nós dois são coisas muito grandes pra esquecer. Explode coração. Por isso eu peço, senhora Liberdade, abre as asas sobre mim. Vejo que passam os anos e como muda o que eu sinto. O que ontem era amor vai se tornando outro sentimento. Só me resta pedir uma ideologia, eu quero uma pra viver, pois tudo muda, muda o sol em sua corrida quando a noite o substitui e eu só queria ter do mato um gosto de framboesa pra correr entre os canteiros e esconder minha tristeza. Tudo muda, mas eu continuo o mesmo, eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do Interior.

E assim se passaram dez anos sem eu ver teu rosto, sem olhar teus olhos, enquanto os homens exercem seus podres poderes. É por isso que tem certos dias em que eu penso em minha gente e sinto assim todo o meu peito se apertar. Então eu quero uma casa no campo onde eu possa compor muitos rocks rurais e tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais. Uma voz interior me diz: se pensas que pensas estás redondamente enganado. Outra, sussurra: Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue. Aí eu canto: triste Bahia, oh, quão dessemelhante. Eu peço: bandeira branca, amor, não posso mais, pela saudade que me invade eu peço paz.

Todo artista tem de ir aonde o povo está. Eu já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver, pois a vida me fez assim, eu caçador de mim. Aprendi que o amor é um grande laço, um passo pr′uma armadilha, um lobo correndo em círculos pra alimentar a matilha. Eu acredito é na rapaziada que segue em frente e segura o rojão. Eu ponho fé é na fé da moçada que não foge da fera e enfrenta o leão. Estou tão cansado, mas não pra dizer que eu não acredito mais em você com minhas calças vermelhas e meu casaco de general. Eu me lembro com saudade o tempo que passou e quero apenas estar no seu pensamento, por um momento pensar que você pensa em mim.

Caía a tarde feito um viaduto e um bêbado trajando luto me lembrou que naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim. No peito dos desafinados também bate um coração. Oh tristeza, me desculpe, estou de malas prontas. Minha vida é andar por este país pra ver se um dia descanso feliz. Vida, leva eu. Ah! Vidinha burra. Ô, vida de gado, povo m arcado, ê! Povo feliz! Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão. Porque aqui é o meu lugar. Amanhã bato a perna no mundo. Sempre.

Olha, está chovendo na roseira e se já perdemos a noção da hora, se juntos já jogamos tudo fora, me conta agora como hei de partir. Vou ficar na sua vida como uma paixão mal resolvida. De longe, muito longe, me vem uma cantiga de infância: os homens de preto trazendo a boiada vem vindo cantando dando gargalhada e o bicho coitado não pensa nem nada, só vem pela estrada direto á charqueada, Deus, Deus, Deus, Deus, Deus, você fez.

(Juremir Machado da Silva, Correio do Povo, dezembro de 2018)


Nenhum comentário:

Postar um comentário