domingo, 2 de dezembro de 2018

O poeta cigano


Jerônimo Guimarães* foi um cigano brasileiro que viveu no Rio de Janeiro, tendo falecido em 06 de outubro de 1897. Esta sua primeira trova é bastante controversa. Há quem atribua sua autoria a outros autores, mas, como diz Luiz Otávio, em nota explicativa de seu livro “Meus Irmãos, os Trovadores”: “a menos que me provem que essa trova foi escrita antes de 1885, sua autoria é mesmo de Jerônimo Guimarães”. Notem que as trovas eram, ainda, feitas com rimas simples.


Até nas flores se encontra
a diferença da sorte:
− Umas enfeitam a vida,
outras enfeitam a morte...

Ah! nem sempre denunciam
os nossos risos venturas.
Há também flores viçosas
guarnecendo sepulturas.

Oh! por que corpos unidos,
por natureza e por sorte,
vivendo da mesma vida,
não morrem da mesma morte?!

Depois de Deus, eu só creio
em um poder grande e forte:
− este poder que se impõe
de nossa boa ou má sorte.

O pranto que por ti verto,
querida, só terá fim,
quando a morte um outro túmulo
junto ao teu abrir pra mim.

Sob a aparência do gozo,
quantos desgostos se ocultam!
Quantos não são os que riem
e na alma penas sepultam.

(Do Blogue Falando de Trova)

Justiça agora feita conheça o pequeno poema de onde a trova se originou:

Até nas flores se encontra
A diferença na sorte –
Umas, enfeitam a vida;
Outras enfeitam a morte.

Umas nasceram para o adorno
De ricos salões doirados
Outras, mais tristes, ensombram
O retiro dos finados.

Não admira, portanto,
Bons ou maus fins dos viventes
Quando até as próprias flores
Têm destinos diferentes.

*Jerônimo Guimarães foi um famoso trovador cigano Calon, brasileiro da Cidade Nova, e que morreu em 6 de outubro de 1897, deixando inédita e dispersada em jornais, mas completamente desconhecida, uma obra poética em que há páginas dignas de figurar numa antologia da escola romântica do Brasil, honrando-a. Ele teve em Mello Morais Filho (autor, entre outros de “Cancioneiro dos Ciganos”, 1885), no século passado, o seu primeiro estudioso. Mello recolheu nada menos de 5.000 trovas de ciganos, cuja autenticidade é incontestável, também para Silvio Romero (“História da Literatura Brasileira”).

Em 1884, o jornal “Echo Popular” publicou um poema de Jerônimo Guimarães, intitulado “O Destino”, e que foi incluído no ano seguinte na antologia “Parnazo Brasileiro”, cujo pensamento, imagem e até palavras formam como a reprodução ampliada da discutida trova. Vejamos:

O destino

Nega-se a sorte, o destino:
Mas por que sentem as flores?
Por que a diversidade
Que existe nelas de cores?

Por que simbolizam uma
O prazer, outras as dores?

Vingam saudades e rosas...
Vestem estas de beleza
Os esplendores, as graças
Como contrastes à tristeza

Daquelas – que trajam luto
Queixosas de natureza!
Oh! Não se negue que luto
Tem um fim por Deus prescrito;

Que tudo ocupa um lugar
A um poder circunscrito;
Desde a planta até o homem!
Desde a terra ao infinito!

Como disse Oswaldo Macedo, “encerrado o litígio no tribunal das letras, fica, afinal, o Calon Jerônimo Guimarães reintegrado na posse mansa e pacífica de sua trova”.

(Do Blogue Culturas e Tradições Ciganas)

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