Uma coisa que aqueles artistas*
faziam bastante era ir ao velório e enterro dos outros artistas. Além de ser
uma maneira de prestar homenagem aos colegas, era uma forma de experimentar o
sentimento de pertencimento a uma classe que vivia do riso, mas que, na imensa
maioria dos casos, vivia de mal a pior. Viviam mal, mas gostavam uns dos outros
e levavam sempre o último adeus. Também era uma ocasião em que todos se reviam
e punham a conversa em dia. No
funeral do irmão do Silva Filho** − o pai era o Silva, um conhecido alfaiate de
artistas, daí o Filho no seu nome artístico −, sócio do comediante na
companhia, ele se lamentava à beira do caixão:
− Meu querido irmão, o que vai ser da
minha companhia agora? Como eu vou produzir os espetáculos? Sem você, a vida
pra mim não tem sentido...
Nesse momento, entrou uma das lindas
vedetes de teatro de revista. Todo mundo parou pra olhar para ela, que ficou ao
pé do caixão, de óculos escuros, tristonha, vez ou outra enxugando uma lágrima
com o lenço. O Silva Filho se virou pro Francisco Milani*** e falou baixinho:
− Eu conheço aquele mulherão ali...
O Milani, constrangido, não disse
nada. Então, ele continuou:
− Meu irmão amado! Como eu vou viver
agora?!
Aí voltou a murmurar pro Milani:
− Eu conheço aquela vedete, tenho certeza
que conheço...
Novamente pro irmão:
− E agora, quem vai fazer os borderôs
da bilheteria? Quem vai controlar os pagamentos?
Pro Milani:
− Eu já comi aquela vedete, ela é um
estouro, mas não me lembro o nome dela, não consigo me lembrar...
Pro irmão:
− Meu irmão amado...
De repente, ele fez uma cara de
iluminado, de quem teve o vislumbre de algo importante, e gritou do fundo da
alma:
− Jandira, filha da puta!
*****
* Artistas da revistas da Praça Tiradentes, centro do Rio de Janeiro dos anos 50, 60, 70...
** José da Silva era filho de Antônio
da Silva e de Eugênia da Silva, portugueses, também pais de Perpétuo da Silva e
Bela da Silva. Por ser muito conhecido como filho do Silva, famoso alfaiate dos
artistas, todos lhe chamavam Silva Filho
(foto abaixo) e este nome ficou sendo seu nome artístico. Nome que o tornou
famoso como ator, empresário, autor e diretor de teatro. Tinha um talento
incrível para criar tipos que o tornaram um dos maiores artistas do teatro de
revista do Brasil. Considerado o segundo grande empresário da Praça Tiradentes,
depois de Walter Pinto.
*** Francisco Ferreira Milani (São
Paulo, 19 de novembro de 1936 − Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2005) foi um ator,
dublador, humorista e político brasileiro.
Silva Filho
A troca
Oscarito
O Oscarito morreu, correram à casa do
Silva Filho pra avisá-lo. Ele se vestiu às pressas e foi para o velório na
então Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara. Todo o pessoal de teatro e
de cinema compareceram em peso, o Silva Filho chegou esbaforido e não se
conteve ao se aproximar do corpo do grande comediante:
− Oscarito, você foi o maior. Jamais
haverá outro como você. O que vai ser do nosso cinema agora? Você nos ensinou
tudo, você foi o nosso guia...
De repente,
baixou a cabeça e, olhando pros pés, gritou:
− Porra, tô
com uma meia preta e outra marrom e ninguém me avisa, caralho!
******
Do livro:
“O Livro de Jô uma autobiografia desautorizada
Volume 2” ,
de Jô Soares e Matinas
Suzuki Jr.
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