quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Histórias reais de velórios



Uma coisa que aqueles artistas* faziam bastante era ir ao velório e enterro dos outros artistas. Além de ser uma maneira de prestar homenagem aos colegas, era uma forma de experimentar o sentimento de pertencimento a uma classe que vivia do riso, mas que, na imensa maioria dos casos, vivia de mal a pior. Viviam mal, mas gostavam uns dos outros e levavam sempre o último adeus. Também era uma ocasião em que todos se reviam e punham a conversa em dia. No funeral do irmão do Silva Filho** − o pai era o Silva, um conhecido alfaiate de artistas, daí o Filho no seu nome artístico −, sócio do comediante na companhia, ele se lamentava à beira do caixão:

− Meu querido irmão, o que vai ser da minha companhia agora? Como eu vou produzir os espetáculos? Sem você, a vida pra mim não tem sentido...

Nesse momento, entrou uma das lindas vedetes de teatro de revista. Todo mundo parou pra olhar para ela, que ficou ao pé do caixão, de óculos escuros, tristonha, vez ou outra enxugando uma lágrima com o lenço. O Silva Filho se virou pro Francisco Milani*** e falou baixinho:

− Eu conheço aquele mulherão ali...

O Milani, constrangido, não disse nada. Então, ele continuou:

− Meu irmão amado! Como eu vou viver agora?!

Aí voltou a murmurar pro Milani:

− Eu conheço aquela vedete, tenho certeza que conheço...

Novamente pro irmão:

− E agora, quem vai fazer os borderôs da bilheteria? Quem vai controlar os pagamentos?

Pro Milani:

− Eu já comi aquela vedete, ela é um estouro, mas não me lembro o nome dela, não consigo me lembrar...

Pro irmão:

− Meu irmão amado...

De repente, ele fez uma cara de iluminado, de quem teve o vislumbre de algo importante, e gritou do fundo da alma:

 − Jandira, filha da puta!
  
*****

*     Artistas da revistas da Praça Tiradentes, centro do Rio de Janeiro dos anos 50, 60, 70...

**  José da Silva era filho de Antônio da Silva e de Eugênia da Silva, portugueses, também pais de Perpétuo da Silva e Bela da Silva. Por ser muito conhecido como filho do Silva, famoso alfaiate dos artistas, todos lhe chamavam Silva Filho (foto abaixo) e este nome ficou sendo seu nome artístico. Nome que o tornou famoso como ator, empresário, autor e diretor de teatro. Tinha um talento incrível para criar tipos que o tornaram um dos maiores artistas do teatro de revista do Brasil. Considerado o segundo grande empresário da Praça Tiradentes, depois de Walter Pinto.

*** Francisco Ferreira Milani (São Paulo, 19 de novembro de 1936 − Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2005) foi um ator, dublador, humorista e político brasileiro.


Silva Filho

A troca


Oscarito

O Oscarito morreu, correram à casa do Silva Filho pra avisá-lo. Ele se vestiu às pressas e foi para o velório na então Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara. Todo o pessoal de teatro e de cinema compareceram em peso, o Silva Filho chegou esbaforido e não se conteve ao se aproximar do corpo do grande comediante:

− Oscarito, você foi o maior. Jamais haverá outro como você. O que vai ser do nosso cinema agora? Você nos ensinou tudo, você foi o nosso guia...

De repente, baixou a cabeça e, olhando pros pés, gritou:

− Porra, tô com uma meia preta e outra marrom e ninguém me avisa, caralho!

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Do livro:

 “O Livro de Jô uma autobiografia desautorizada Volume 2”,
de Jô Soares e Matinas Suzuki Jr.

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