quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Raul Pompeia



Depressivo, escritor se matou após controvérsia política.

Raul Pompeia teve sua carreira de escritor e jornalista interrompida por causa de um discurso inflamado que fez no cemitério São João Batista, em Botafogo, no sepultamento do ex-presidente Floriano Peixoto, a quem ele apoiava como político, afinal tinha cargo de confiança no governo e era época de eleição. O candidato eleito foi prudente de Moraes, que, por sinal, nada gostou e demitiu Pompeia das funções de Diretor da Biblioteca Nacional e de professor de Mitologia da Escola Nacional de Belas Artes.

Isso o deixou impaciente, mais ainda com os ataques pessoais dos colegas e a recusa deles de publicar seus escritos para explicar o porquê do discurso no cemitério. Atuante nos debates de seu tempo, defensor do abolicionismo e da República, Pompeia era de pavio curto. Ele já tinha uma doença chamada depressão. Quando ficava depressivo, sua mãe o tratava.

No dia de Natal de 1895, chegou em casa e falou para ela: “Mãe, as provas estão corrigidas e pagas”. Eram as provas de “O Ateneu”, que havia vendido no ano anterior aos livreiros Alves e Cia. A mãe e as irmãs perguntavam o que tinha acontecido, ele só respondia que estava tudo bem. Todas o vigiavam e rezavam o tempo inteiro, e ele mergulhado naquela crise terrível de neurastenia. Pompeia recolheu-se em seguida ao quarto com sacada que dava para a rua. Decidido, escreveu algumas linhas que lacrou num envelope para ser entregue à redação de A Notícia:

“À ilustrada redação d′A Notícia.

Cumpro o dever de comunicar que, não havendo sido publicado o segundo artigo da minha colaboração, aceita, aliás, em termos benévolos, considero como sem efeito essa aceitação e agradeço a inserção do 25 de dezembro de 1895. RAUL Pompeia.”

Tomou então a pena e rascunhou em meia folha de papel um curto bilhete, complemento do anterior, para reforçar as razões de seu gesto, a destacar o ponto central da enorme confusão de ideias que lhe rondava a mente.

“À Notícia e ao Brasil declaro que sou um homem de honra”. Depois de datar e assinar, recostou-se a um divã e deu um tiro no peito. Eram 13h. Uma vez, dissera: “As horas da Vida são doze. Mas uma hora existe que não incluímos nos reguladores da existência: é a hora da morte.”

José Mário dos Santos*

*Diretor do centro Cultural Raul Pompeia, de Angra dos Reis (RJ), e organizador de um livro com as duas novelas escritas pelo autor, “Uma Tragédia no Amazonas” (1880) e “As Joias da Coroa” (1882), a ser lançada em breve.

(No Caderno de Sábado do Correio do Povo, dezembro de 2018)

Raul Pompeia


Por Daniele Fernanda Feliz Moreira*

→ Raul d’Ávila Pompeia foi um escritor brasileiro autor de uma das maiores obras do Realismo brasileiro, “O Ateneu” 1888. Filho de família abastada, pai magistrado e mãe dona de casa herdeira de ricos comerciantes portugueses, Raul Pompeia nasceu em 1863, em Angra dos Reis, e mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 1867, onde é matriculado em um colégio interno, concluindo depois os estudos secundários no Colégio Imperial Pedro II. Foi ainda como estudante do Pedro II, em 1880, com apenas 17 anos, que publicou seu primeiro romance, “Uma Tragédia no Amazonas”.

→ Concluídos os estudos secundários, Raul segue para São Paulo, para cursar Direito na Faculdade do Largo do São Francisco, instituição onde também havia se formado seu pai. É inicialmente bem recebido por entre os professores, contudo passa a enfrentar problemas no curso por conta de seus posicionamentos políticos contundentes em defesa da abolição da escravatura e da causa republicana.

→ Divergiu de colegas republicanos paulistas em virtude de estes não apoiarem também a abolição da escravatura. Alguns professores se incomodavam com o temperamento de Pompeia, tido como impávido, e criticavam as ideias propagadas por ele e por colegas de forma direta e sem rodeios. Pompeia e outros colegas foram reprovados no terceiro ano do curso. Os alunos receberam apoio da imprensa da época, pediram reexame e conseguiram aprovação com nota mínima, mas foi novamente reprovado no ano seguinte, agora juntamente a outros 94 estudantes, partindo, então, para terminar o curso na Faculdade de Direito de Recife.

→ Após concluído o curso, Pompeia não chegou a exercer a profissão de advogado e passou a escrever para vários jornais da época. Entre estes, o jornal Gazeta de Notícias, veículo pelo qual viria mais tarde a publicar “O Ateneu”, uma crônica que lhe consagrou por entre a crítica da época.

→ Após a queda do Império, com o início da ditadura de Floriano Peixoto, Pompeia é nomeado presidente da Academia de Belas Artes. O governo de Floriano Peixoto, contudo, enfrentava fortes resistências, por entre as quais figuravam vários nomes de amigos próximos de Raul Pompeia, fato que levou ao rompimento de diversas dessas relações de amizade. Após a saída de Floriano Peixoto, com a entrada de Prudente de Morais, Pompeia é desligado do cargo que ocupava como diretor da Biblioteca Nacional, após um inflamado discurso em que saía em defesa de Floriano Peixoto. Os vários atritos políticos com os amigos, por entre os quais, Olavo Bilac e Luís Murat, este amigo dos tempos da faculdade em São Paulo, levaram Pompeia ao suicídio em 1895, no escritório da casa onde residia com sua mãe, deixando um bilhete em que se lia “Ao Jornal A Notícia, e ao Brasil, declaro que sou um homem de honra”.

*Mestre em Ciências Humanas (CEFETRJ, 2014); Especialista em Linguística, Letras e Artes (CEFETRJ, 2013); Graduada em Letras - Literatura e Língua Portuguesa (UFRJ, 2011).



Nenhum comentário:

Postar um comentário