sábado, 22 de dezembro de 2018

Canção do Exílio às Avessas



Em 1992, quando o país inteiro pintou a cara de verde e amarelo pra exigir a saída do Collor da Presidência, o Jô Soares Onze e meia foi chamado de “sucursal noturna do impeachment”. O despudor, a arrogância, a ostentação e as atividades ilícitas do período Collor foram acompanhados também na minha coluna de humor da Veja. Alguns desses textos foram aproveitados no livro Humor nos tempos do Collor (o título é uma brincadeira com O amor nos tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez), uma antologia de textos do Millôr, do Veríssimo e meu sobre o período, publicada pela L&PM..

Collor ficara particularmente irritado com a paródia do poema “Canção do exílio”, do Gonçalves Dias, que fiz na minha coluna, brincando com a sua morada em Brasília, a Casa da Dinda. O título era “Canção do exílio às avessas”:

(Texto do livro “O Livro de Jô uma autobiografia desautorizada,
Volume 2, de Jô Soares e Matinas Suziki Jr.)

Canção do Exílio às Avessas*

Jô Soares

Minha Dinda tem cascatas
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Minha Dinda tem coqueiros
Da Ilha de Marajó
As aves, aqui, gorjeiam
Não fazem cocoricó.

O meu céu tem mais estrelas
Minha várzea tem mais cores.
Este bosque reduzido
deve ter custado horrores.
E depois de tanta planta,
Orquídea, fruta e cipó,
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Minha Dinda tem piscina,
Heliporto e tem jardim
feito pela Brasil's Garden:
Não foram pagos por mim.
Em cismar sozinho à noite
sem gravata e paletó
Olho aquelas cachoeiras
Onde canta o curió.

No meio daquelas plantas
Eu jamais me sinto só.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Pois no meu jardim tem lagos
Onde canta o curió
E as aves que lá gorjeiam
São tão pobres que dão dó.

Minha Dinda tem primores
De floresta tropical.
Tudo ali foi transplantado,
Nem parece natural.
Olho a jabuticabeira
dos tempos da minha avó.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Até os lagos das carpas
São de água mineral.
Da janela do meu quarto
Redescubro o Pantanal.
Também adoro as palmeiras
Onde canta o curió.
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Finalmente, aqui na Dinda,
Sou tratado a pão-de-ló.
Só faltava envolver tudo
Numa nuvem de ouro em pó.
E depois de ser cuidado
Pelo PC, com xodó,
Não permita Deus que eu tenha
De acabar no xilindró.

(Do livro “Humor nos tempos do Collor)

* Canção do Exílio As Avessas é uma paródia de Jô Soares, usando como texto base a Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Esse texto é um dos inúmeros textos parodísticos criados a partir do texto do poeta maranhense.


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