Um anjo no inferno
Pai, eu que esperava um bom
casamento, aqui só tenho tristeza, saí do céu e entrei no inferno. O João é por
demais sovina, trabalha de manhã à noite. Domingo só fico em casa, é a mesma
coisa que um ranchinho, nem forro tem. Broinha de fubá mimoso nunca mais que eu
comi, é só virado bem cedo e ir para a roça.
Sabe, pai, minha vida é só lágrimas.
De joelhos eu peço que o pai me acuda nesta agonia, até dá vergonha uma filha
sua estar num rancho, tem um fogão que é só fumaça. Muito eu me arrependo de
ter casado, de tão triste espero a morte.
Fui tão iludida, a casa é do cunhado
José mais o rancho e vaquinha, sou então uma agregada? Pai, pelo amor de Deus,
salve a pobre de mim. Que a mãe arrume as mãos para o céu de ter um marido como
o pai. Não posso nem lavar roupa, não tem cocho nem tanque, devo esfregar na
bacia e ainda tirar água do poço de vinte metros, o balde é muito pesado.
Ai, pai, que desgosto eu sinto de ter
casado. Sinto porque a mãe bem queria o primo André. Eu cai direitinho no
inferno. No trabalho o João é um patrão, onde ele está a escrava tem de pegar
juntinho na enxada, isso é vida?
Se é pecado não sei, eu sonho toda
noite com o primo André. Paizinho, o João quer ficar aqui, mas o José está
devendo e não paga. Birrento o João deu aqui e parou nesta vargem. Bomba de
quem casa tão mocinha. O primo André ainda pergunta por mim?
Uma caneca de asa quebrada, fui
esquecida no canto. Carece que o pai receba a triste de sua filha. Estou demais
aflita. Meu pai, então eu devo andar limpando penico do José? Se fosse assim eu
ficava no sítio, não tinha casado. Esta precisão não tenho. Ainda se fosse
casa, mas um rancho pior que existe no mundo.
(Texto do O Pasquim,
de março/abril de 1972)
Nenhum comentário:
Postar um comentário