Francisco de Paula
O então soldado Francisco de Paula
identificação militar nº 1G-192925 embarcava, naquela noite de 30 de junho de
1944, no transporte de tropas General Mann com destino ignorado. Pudera, já que
todo o cuidado era pouco a fim de escapar dos tenazes torpedos dos u-boats
alemães que circulavam pelo oceano atlântico desde 1942. Francisco, como outros
5.075 homens, era membro da 1ª Divisão Expedicionária da Força Expedicionária
Brasileira que embarcava rumo ao teatro de guerra. Francisco não poderia
adivinhar que seu rosto e sua função seriam destacados pelo fotógrafo de guerra
Pvt. Laurence V. Emery em 29 de setembro de 1944 nesta bela imagem que temos ao
lado. É o soldado Francisco de Paula carregando um canhão 105mm com um recado
aos alemães: A Cobra está Fumando!
Francisco, natural do Rio de Janeiro
fazia parte da Artilharia Divisionária que acompanhava o 1º DIE na Itália. A
artilharia brasileira era composta de quatro grupos de obuses e armada
principalmente com peças de 105
mm . A exceção era o 4ª Grupo de Obuses (GO) composto por
peças de 155 mm .
Cada grupo possuía 12 peças, dividido em três baterias de quatro canhões cada.
A artilharia brasileira era formada por grupos recém criados tanto no estado do
Rio de Janeiro quanto em São
Paulo durante o ano de 1943. A exceção era o grupo
proveniente do Grupo Escola, com base no Rio de Janeiro, já existente. O grupo
de Francisco era o 2º GO, o primeiro a embarcar para a Itália e participar das
ações na guerra. O comando da Artilharia Divisionária cabia ao Gen. Cordeiro de
Farias.
Isso se explica pela necessidade de
adequar o Exército Brasileiro as diretrizes norte-americanas tanto de armamento
quanto de pessoal. O Exército Brasileiro amargava desde a década de 20 a morosidade da
modernização em seus quadros e armamento. Salvo a Missão Francesa, que
reformulou o conceito do Ensino Militar durante a década de 20, o Exército
Brasileiro era um apanhado de armamento em pequena quantidade e de diversas
origens, de falta de pessoal qualificado além de carências estruturais. Era
necessário, para se mandar este exército à guerra, um esforço hercúleo a fim de
torná-lo operacional.
Para melhorar o desempenho da
artilharia, os canhões de 75
mm foram substituídos pelos de 105 mm e 155 mm . Em complemento uma
Esquadrilha Aérea para Observação e Regulação de Tiro foi incorporada aos
quadros da Artilharia Divisionária. Todas essas modificações exigiam tempo e
pessoal treinado efetuando-se, sobretudo, durante o ano de 1943.
E lá estava Francisco aguardando
ordem no navio de tropas, ancorado no porto do Rio de Janeiro. Naquela noite o
então presidente do Brasil Getúlio Vargas discursava aos combatentes excitados
e ao mesmo tempo amedrontados frente ao futuro incerto que vinha de encontro a
sua juventude e vitalidade. As palavras de Vargas ecoavam pelo microfone a
bordo do navio. E retumbavam no ouvido dos expedicionários: “É sempre uma
glória lutar-se pela pátria e por um ideal. O governo e o povo do Brasil vos
acompanham em espírito na vossa jornada e vos aguardam cobertos de glorias”.
O navio de tropas General Mann chegou
ao porto de Nápoles no dia 16 de julho. No mesmo dia foi iniciado o desembarque
do primeiro contingente da FEB. A tropa se deslocou para o estacionamento de
Agnaro, próximo ao subúrbio napolitano de Bagnoli, fazendo parte do trajeto a
pé e parte por ferrovia. A partir daí, vários deslocamentos seriam feitos e
treinamentos seriam ministrados aos infantes brasileiros até que, em 12 de
setembro veio a ordem de batalha para a FEB: deveria deslocar-se para
Ospedaleto, uma região ao sul de Pisa e a 50 km de Vada. Assim, em 15 de setembro,
especial data da historia militar brasileira, todo o grupamento tático do 1º
DIE deveria substituir as tropas americanas na linha Massaciuccoli – Filettole
– Vecchiano, no Vale do rio Serchio. Era a primeira missão na guerra da Força
Expedicionária Brasileira.
E Francisco não tardaria, ele mesmo,
a participar da guerra. Em 16 de setembro de 1944 às 14h22min a 1ª bateria do
2º GO sob o comando do Capitão Mário Lobato deu o primeiro tiro da artilharia
brasileira em terras européias. E dali por diante a artilharia brasileira faria
fama frente aos tedescos.
Afirmou Cordeiro de Farias,
comandante da Artilharia Divisionária na Itália: “A melhor artilharia que
operou na Itália foi a minha e isso foi dito por oficiais americanos e
prisioneiros alemães. Quando os americanos queriam fazer uma nova experiência
sempre contavam com a minha tropa”.
O batismo de fogo do 1º DIE comandado
pelo Gen. Zenóbio da Costa ocorre no dia 16 de setembro, com a tomada sucessiva
das localidades de Massarosa, Borrano e Quieza, que se achavam em poder dos
alemães. As ações não tiveram qualquer complicação e a tropa brasileira
continuou progredindo. Elas serviram, no entanto, para elevar o moral da tropa
brasileira no seu primeiro confronto vitorioso com o inimigo. A 18 de setembro
decide o Gen. Zenóbio ocupar a localidade de Camaiore, importante centro de
comunicações e abastecimento dos alemães que controlavam todo o vale vizinho.
Não obstante, o próprio Gen. Zenóbio
comandou pessoalmente o avanço do 6º R.I sobre Camaiore. Pegos de surpresa, os
alemães não ofereceram resistência, abandonando a cidade e a linha Camaiore – La Rena – Fattoria foi ocupada
por elementos do 6º R.I. O objetivo da Força Expedicionária Brasileira era a
ruptura da área denominada “Linha Gótica”, uma frente de 250 km , do mar Tirreno ao
Adriático guarnecida pelos alemães. O ponto forte desta defesa eram os montes
altos, sobretudo no vale do Reno, controlados por diversas divisões alemãs e
italianas. Reiniciando sua marcha sobre a Linha Gótica, durante os dias 19 e 20
de setembro a tropa avançou sob fogo de morteiros e artilharia. Durante este
avanço, a 20 de setembro, capturam-se os primeiros prisioneiros alemães,
desertores da 42º divisão de infantaria. A Força Expedicionária Brasileira
também sofreu as primeiras baixas, três praças mortos por estilhaços de
granadas.
Na edição nº 7 de 24 de janeiro de
1945 do jornal editado pela FEB chamado Cruzeiro do Sul é Francisco que ilustra
a capa. Sua célebre imagem que hoje ilustra este artigo ilustrou há 63 anos
atrás o folhetim da FEB que graciosamente dizia: "A NOSSA RESPOSTA: O
tedesco, de vez em quando, despacha para as nossas linhas certos folhetos que
procuram desvirtuar a nossa luta, dizendo que estamos errados, que não temos
motivo para combater a Alemanha, que tudo é obra dos Estados Unidos. Mas nós,
via de regra, também despachamos nossas respostas. Aí vai uma: A Cobra Está
Fumando... Será preciso traduzir para o Alemão? Não, essa mensagem quando
chegar às linhas alemãs, já estará traduzida... A cobra já terá acabado de
fumar... O tedesco sabe como é...
Francisco passaria pelo vale do Rio
Sercchio e, no vale do Rio Reno, participaria com louvor da tomada de Monte
Castelo em fevereiro de 1945. Para esta conquista a excepcional tarefa da
artilharia divisionária, comandada pelo Gen. Cordeiro de Farias foi essencial.
Entre as 16 e 17 horas a artilharia transformou o cume de Castello em crateras
que desnorteavam o inimigo. Assim descreve Joel Silveira, correspondente de
guerra brasileiro instalado no posto de comando avançado junto com os oficiais
que acompanhavam a ofensiva:
“As encostas de Castello, cessando o
fogo de nossa artilharia, se transformaram numa paisagem lunar. O Major Uzeda
continua a avançar sob a proteção de nossos tiros e já agora começam a pipocar
as metralhadoras dos seus soldados. (...) às 17h50min a voz do Major Franklin
vem forte pelo rádio: ‘estou no cume de Monte Castello’ e pede fogo de
artilharia sobre as posições inimigas além do monte. Castelo é nosso, me diz o
Gen. Cordeiro. (...) Os norte americanos só conquistaram seu objetivo noite
adentro, quando os brasileiros há muito tinham completado a sua missão e
começavam a ocupar, na crista de Monte Castello, as privilegiadas trincheiras e
as formidáveis casamatas recém abandonadas pelos alemães, que na sua retirada
deixaram em mãos dos soldados mais de 80 prisioneiros”.
Depois de Monte Castelo, a artilharia
brasileira teria um papel exemplar também na tomada de Montese, em abril de 1945. A partir do dia 14
até o dia 17 os grupos de artilharia trabalharam sem cessar. Estima-se que os
alemães tenham mandado para o setor da 1ª DIE mais de três mil e duzentos
projéteis de artilharia. Em contrapartida, Francisco e seus colegas devem ter
mandado número similar na cabeça dos tedescos. Montese foi uma das mais
encarniçadas lutas que as tropas brasileiras enfrentaram. O mais impressionante
era a tenacidade dos alemães naqueles dias que, sem saberem, eram os últimos da
guerra.
A conquista de Montese pela FEB foi a
etapa de maior importância na operação aliada da primavera. Ela contribuiu para
a fixação das tropas em uma região de grande importância, obrigaram o inimigo a
fazer uso em grande escala de munição e custou muito aos brasileiros: em três
dias de luta perderam-se 426 soldados entre mortos e feridos. Foi o episódio
mais sangrento suportado pelas forças brasileiras na Itália.
Os últimos dias na Itália são
narrados com a familiaridade de quem prevê seu fim. Assim nos diz o Tenente
Gonçalves do 6º RI: “Nos derradeiros dias do mês de abril, tudo levava a crer
que a guerra chegaria ao fim naquela sucessão de vilas e cidades ocupadas em
meio a pequenas escaramuças e inimigos que se rendiam. O 6º RI junto aos outros
dois regimentos do 1º DIE, vinham libertando uma série de localidades com a
estrondosa receptividade dos italianos que festejavam o fim da guerra (...).
Nas pequenas cidades libertadas pelo 6º RI e outros regimentos, os italianos
recebiam os soldados brasileiros de forma delirante. O vinho corria
abundantemente em garrafas e mais garrafas (...). Os sinos das igrejas das
pequenas cidades eram soados, as viaturas saudadas com palmas e flores.”
Com o término da guerra, em 8 de maio
de 1945, Francisco retornou ao Brasil em 18 de julho de 1945. Completou um ano
e alguns dias em solo
Europeu , do qual oito meses foram a serviço direto de sua
pátria mãe executando aquilo que fora treinado: libertar da opressão nazista o
solo europeu e trazer os louros da vitória para o seu doce e amado Rio de
janeiro.
A foto possui ainda em seu verso a
inscrição das fotos de imprensa do tempo da guerra. Diz assim:
“29 SET44 - Francisco de
Paula,artilheiro brasileiro, municiador de um obus Horwitz 105, sempre escrevia
nos projéteis: “A cobra está fumando...”
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