Luis Fernando Veríssimo
O homem chegou em casa
assustado:
− Está por toda a cidade, é
uma sina: todo mundo falando com rima.
− O quê? − perguntou a
mulher.
− Uma compulsão, um vírus,
algo no ar. Não se diz mais nada sem rimar.
−
Que absurdo − disse a mulher − um vírus da rima. Ninguém é obrigado a falar o
que não quer, seja homem ou mulher. Nenhuma lei... Meu Deus, peguei!
− É na rua, é em casa, é em
todo lugar. Não se fala sem rimar.
− Mas é uma barbaridade, ser
poeta contra a vontade!
− Concordo, é um abuso. Mas o
que fazer? Estou confuso.
− Só há um jeito de se
rebelar, resistir e não rimar...
− Como?
− Não falar.
− Mas como nos comunicaremos,
se não com as vozes que temos?
− Escrevendo, por que não?
Ninguém manda em nossa mão.
− Sei não, será que muda? E
se eu escrever como o Neruda?
− Não é hora pra chilique.
Pega um papel, e olha a Bic.
O homem experimenta escrever
uma frase no papel. Depois recua, horrorizado.
− Estou quase tendo um
ataque. Escrevi como o Bilac!
− Será uma coisa generalizada,
que atingiu até a empregada?
− Vamos ver se é ou não é.
Chame a Nazaré.
A mulher chama a empregada.
− Nazaré, vem aqui um
minutinho?
A empregada responde da
cozinha:
− Já vou indo, um
instantinho. Estou fazendo ensopadinho.
O
homem e a mulher se abraçam. É uma epidemia. A rima tomou conta do país. Mas
por quê? A mulher tenta racionalizar.
− Tem que haver explicação.
Um motivo, uma razão.
− Terá sido a eleição?
− Mas como, de que jeito? O
que foi que mudou com o pleito?
− Elegeu-se o maravilhoso...
− Quê?
− ...Fernando Henrique
Cardoso
− O Cardoso, maravilhoso? Me
admira você, que votou no PT!
− Você não está entendendo?
Eu não sei o que estou dizendo!
− Calma, não se apoquente.
Fale outra vez, pausadamente.
O homem faz um esforço, mas
não consegue.
− Elegeu-se. O. Maravilhoso.
Fernando. Henrique. Cardoso.
−
Tente outra rima, com urgência. Quem sabe 'seboso', pra manter a coerência?
− Não consigo, não vê?
Tente você.
− Elegeu-se o...
− Sim?
− Elegeu-se o...
− Sim?
− Gostoso...
− Não!
− Fernando Henrique Cardoso.
−
Já vi, é uma perfídia. Tudo culpa da mídia. Nós não estamos enfeitiçados,
estamos é condicionados.
−
Quando ele se elegeu, foi nisso que deu. Há uma rima oficial no Brasil − pelo
menos até abril.
− Quem variar é exótico, até
impatriótico.
− Paciência, relaxemos. Isso
passa, esperemos.
− Eu até diria assim: rima
melhor quem rima no fim.
Aparece a Nazaré na porta da
cozinha.
− A senhora chamou. Aqui
estou.
− Nada, nada, Nazaré. O
ensopadinho, de que é?
− De vitela cortadinha.
Batata, vagem e cebolinha.
− Parece uma beleza, pode botar na mesa.
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(Do caderno
Revista de Zero Hora, 16 de outubro e 1994)
Que maravilha! G'amei
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