Quando ainda lecionava numa Escola Municipal de um bairro periférico de Porto Alegre, um aluno do noturno disse que na empresa onde ele trabalhava havia muitos livros velhos e descartados. Informou-me que um dia me daria um deles de presente. Disse-lhe que um presente, principalmente um livro, seria sempre bem-aceito por mim.
Qual
não foi a minha surpresa, quando um dia ele me traz um livro velho, meio comido
por traças, principalmente a capa e as bordas, mas com os textos intactos. O
livro chamava-se “A Musa em Férias” (Idílios e
Sátiras) do grande poeta português Guerra Junqueiro, de 1893! Na contracapa, havia as seguintes
palavras: “Tiraram-se d´esta edição dez
exemplares
Na
minha estante, esse livro é, seguramente, o mais antigo e, talvez, o mais raro.
Saber que no mundo lusitano eu mais nove temos esse livro, e que no prefácio há
um poema o qual transcrevo abaixo.
DEDICATÓRIA
Recordam-se vocês do bom
tempo d´outrora,
D´um tempo que passou e não
volta mais,
Quando íamos a rir pela
existência fora
Alegres como em junho os
bandos dos pardais?
Croava-nos a fonte um diadema
d´aurora,
E o nosso coração vestido de
esplendor
Era um divino abril radiante,
onde as abelhas
Vinham sugar o mel na
balsamina em flor.
Que doiradas canções nossas
bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas
pelo ar!...
Mil quimeras de glórias e mil
sonhos dispersos,
Canções sem versos,
E que nós nunca mais havemos
de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os
sonhos e a esperanças
São áureos colibris das
regiões da alvorada,
Que buscam para o ninho os
peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre
a nossa estrada,
E quando o inverno chega à
nossa alma, então
Os pobres colibris, coitados,
sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração
vazio,
Para fazer o ninho em outro
coração.
Meus amigos, a vida é um sol
que chega ao cúmulo,
Quando cantam em nós essas
canções celestes;
A sua aurora é o berço, e o
seu ocaso é o túmulo:
Ergue-se entre os rosais e
expira entre os ciprestes.
Por isso, quando o sol da
vida já declina,
Mostrando-nos ao longe as
sombras do poente,
É-nos doce parar na encosta
da colina
E volver para trás o nosso
olhar plangente,
Para trás, para trás, para os
tempos remotos
Tão cheios de canções, tão
cheios de embriaguez,
Porque, ai! A juventude é
como a flor do lótus,
Que em cem anos floresce
apenas uma vez.
E como o noivo triste a quem
morreu a amante,
E que ao sepulcro vai com
suas mãos piedosas
Sobre um amor eterno – o amor
d´um sonho só instante –
Deixar uma saudade e uma
coroa de rosas;
Assim, amigos meus, eu vou
sobre um tesouro,
Sobre o estreito caixão pequenino,
infantil,
Da nossa mocidade, − a
cotovia d´oiro
Que nasceu e morreu numa
manhã d´abril! –
Desprender, desfolhar estas
canções sem nexo,
Estas pobres canções, tão
simples, tão banais,
Mas onde existe ainda um
pálido reflexo
Do tempo que passou e que não volta mais.
Abílio
Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta a 17 de setembro de 1850 - Lisboa, 7 de julho de 1923) foi bacharel formado em
direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo,
político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da
sua época e o mais típico representante da chamada “Escola Nova”. Poeta
panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à
implantação da República.
“O amor é escada sublime,
Vasta, imensa, luminosa
Que leva o filho do crime
Ao doce olhar de Jesus.
É chama de fogo eterno,
Que ascende vertiginosa
Dos sorvedores do inferno
Aos sorvedores da luz.
Que o fogo de mil crateras
Tombasse sobre o Universo,
E mar, e homens, e feras,
Ficasse tudo submerso;
Embora passado um dia,
Nalgum ângulo de rocha,
Onde a urze desabrocha,
O amor desabrocharia.”
Esta poesia, de um autor desconhecido, foi posta no frontispício do livro “Os Simples” de Guerra Junqueiro, o grande poeta português.
Sou portuguesa e fiquei sem palavras. Grata pela partilha.
ResponderExcluirGuerra Junqueiro é um poeta genial da Língua Portuguesa, língua que tenho muito orgulho de falar.
Excluiruma preciosidade histórica e literária! parabéns!
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