Clarival Vilaça
A cidade de Águas Claras aguardava, engalanada, o início da peleja entre o time do coronel Torres e o Aurora F.C., da cidade vizinha. O coronel, além de ser o dono do time, era também o Prefeito da cidade, o que lhe dava poderes inimagináveis. Criara o Tanguá F.C. durante a campanha eleitoral e cada jogo equivalia a um comício. O time era formado pelos rapazes da sua fazenda.
O árbitro da contenda... bem, o árbitro seria o Donizete, único farmacêutico que nunca aplicara uma injeção, pois não tinha mão firme para isso. Trabalhava na farmácia de sua esposa, ou seja, era empregado da própria mulher.
O domingo prometia.
O time visitante chegou bem antes da hora prevista para o jogo e cada atleta recebeu de cortesia, uma garrafa de cachaça, da boa. Também lhes foi oferecido um lauto angu à baiana, mas eles polidamente recusaram. Bastava a cachaça.
Por volta de 13 horas, os times se aqueciam ao sol causticante e Donizete, o árbitro, confabulava com os seus bandeirinhas:
- Nosso time, digo, o time do coronel, nunca fica
- Mas o que é impedimento? − perguntaram juntos os auxiliares...
O domingo ia ser uma festa.
Marcada para se iniciar às 13 horas, pontualmente às três da tarde o juiz apitou dando início à partida. Não sem antes sortear o lado em que cada time se colocaria. Chamou os dois capitães e, atirando uma moeda para o ar, perguntou ao jogador do time do coronel:
- Que lado você escolhe?
O capitão do Aurora F.C. esperou que a moeda caísse ao solo para perguntar:
- Como? − e o ar se encheu com um insuportável cheiro de cachaça da boa.
O jogador do Aurora pegou a bola no meio de campo e começou sua progressão na direção da área inimiga. O meio de campo do time do coronel “escalou” suas costas e o juiz apitou:
- Cartão amarelo por reclamação! O jogador, com as costas ainda doendo, balbuciou:
- Mas, seu juiz, foi ele quem “trepou” em mim.
- Se continuar reclamando vai pro chuveiro mais cedo − repreendeu Donizete, olhando orgulhoso para o coronel, que sorria no banco de reservas.
Logo
depois, falta indiscutível contra o Tanguá F.C. e enquanto o coronel ficava de
pé, Donizete sentia os joelhos falsearem. A bola foi colocada no local da
falta, bem junto à grande área. O coronel entra em campo e dá instruções
detalhadas ao juiz. Não cabia uma palha entre a barreira do Tanguá e o local
onde estava a bola. Vai cobrar o capitão do Aurora, vermelho e trôpego, corre,
tropeça na bola e cai com a cara em oito pares de chuteiras, que formavam a
barreira. Tem que ser substituído, pois não é permitido que um jogador banhado
em sangue continue
E acontece o inevitável pênalti, indiscutível já que o jogador teve seu calção arriado pelo adversário no momento em que tentava chutar a gol. Donizete treme. O jogador chuta, o goleiro nem se mexe, a bola entra, Donizete anula. Todos reclamam. Donizete diz que o jogador colocou a bola fora da marca.
- Que marca? Que marca? − reclamam os jogadores do Aurora ao verem que não há marca alguma no local de onde se bate o pênalti.
Donizete aproveita e expulsa um jogador do Aurora por reclamação. O goleiro do Tanguá chuta para o meio de campo, um jogador recebe e chuta sem olhar pra onde. O bandeirinha cabeceia e um atacante completa, − é gol! Mais queixas. O juiz informa que o bandeirinha é figura neutra e foi a bola que o atingiu, não ele que cabeceou. Na confusão aproveita para expulsar outro jogador do Aurora.
O jogo é bom.
Com apenas nove jogadores bêbados, o Aurora se aguenta como pode... e empata. Donizete, distraído, só viu a comemoração. Nem teve tempo de anular o gol. O coronel coça o cabo da arma na cintura. Donizete sente enorme vontade de ir ao banheiro e não voltar.
Mas
o Tanguá insiste. Bola na área do Aurora. Alguém chuta e Donizete, “acidentalmente” cabeceia... e é gol! Como
todos reclamam, Donizete expulsa mais dois e acaba o jogo, aos 30 minutos do
primeiro tempo. Agora, é só festejar mais essa vitória do valoroso Tanguá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário