domingo, 8 de outubro de 2023

Meu professor inesquecível

 Ignácio de Loyola Brandão

- O menino sabe ao menos a fórmula da água? 

- Sei. 

- Se souber, dou 3 pontos. 

- H2O. 

- E da água oxigenada? 

- H200, sendo o segundo O de oxigenada. 

Fiquei olhando com a certeza de que o professor me gozava. Não havia, entre todos, nenhum mais impiedoso do que ele. Tirava o pelo friamente. 

- O menino tem estudado? 

- Muito. 

- Mas não sabe nada! Me dê o símbolo do cobre. 

- Fácil! Cu. 

- Acertou nas letras, errou na maneira de falar. Deveria ter dito letra a letra, separando bem: C e U. E não da forma com pronunciou, dando a entender que é outra coisa. Essa coisa é redonda, igual ao zero que posso te dar. 

- Mas o senhor mesmo, no primeiro dia de aula, entrou e escreveu no quadro-negro: Cu. E ficou rindo. 

- Se eu não começasse a aula por aquilo, ninguém iria prestar atenção em nada. Com moleques como vocês, a gente tem que iniciar despertando para as safadezas, quem é a única coisa que fazem e gostam. 

********** 

Certo dia Machadinho aproximou-se de minha carteira. 

- O menino entrou para o científico por quê? Olhei suas notas de Matemática e Física. Você é uma nulidade. Pretende ser engenheiro, arquiteto, médico? 

- Nada disso. Nem sei o que pretendo ser. 

- Mas vejo que o menino escreve em jornal. Escreve direito, faz umas críticas de cinema. 

- Faço. Talvez eu queira ser diretor de cinema. 

- E por que não se matriculou no clássico? 

- Como é mais fácil, não tinha mais vaga e eu não podia parar de estudar. 

- Não pensa escrever livros? Leva jeito. 

- Levo? Pode ser, pode ser, gosto de inventar. 

- Então, vamos fazer um acordo? De hoje em diante, o menino senta na última carteira. Fica lendo, escrevendo, fazendo o que quiser. Só não bagunce. No dia das provas, resolvo o problema para você e fica garantida a nota 4, suficiente para passar. Agora, tenha notas altas em Português, Língua, História, para ajudar a média geral. 

********** 

Outro dia, voltei à cidade e encontrei Machadinho. Deve estar com 90 anos. Ou mais. Ainda tem o mesmo ar que me deixava intrigado. 

- Tenho acompanhado o menino. Vai bem. escreve livros. Li alguns. Tem emoção. Isso você não esqueceu – a emoção. 

E ficamos ali os dois a bater papo...

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P.S. Eu mesmo, responsável por este almanaque, no primeiro dia de aula do ano letivo, segundo grau, ao me apresentar aos alunos, chegava de cabeça baixa, ar melancólico, me arrastando, dizendo, com voz sumida: 

“Não sei se hoje poderei dar uma boa aula para você, pois estou depauperado...”. Antes que vocês pensem alguma besteira, vou logo esclarecendo: “depauperado: quem experimentou perda acentuada de energia física; abatido, esgotado.” 

E começava a aula, com seriedade! 

NSM

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