Micheline Pigatto Kabbas
Sua humildade e sensibilidade são infinitas e têm as cores da esperança.
Você, meu paninho de chão, foi concebido somente para servir, sem direito a salários, nem férias, nem desabafos, nem resmungos, quando quieto e sonolento, parece chorar.
A solidão em sua vida é imensa, vivendo em ambiente sombrio e insalubre, atirado nos cantos, sem a liberdade de ir e vir, e quando chamado é somente para cumprir tarefas, depois, recolhe-se ao seu pequeno mundo, quase sempre atrás da porta, hábito milenar que vem de geração em geração...
Também não lhe são reconhecidos direitos, sua curta existência é só de deveres e obrigações.
É assim, ‛meu paninho de chão’; as mãos que o ‛acolhem’ são mãos sofridas, calejadas, empobrecidas e sem adornos.
O chão, seu amigo mais próximo, confidencia seus ‛fiapos’ de segredos, nos quais despeja suas ‛gotinhas de emoções e lágrimas’.
Quando no varal, único momento de descanso e lazer, iluminado pela luz do sol, sorri ouvindo a voz do vento, acenando aos pássaros, que, animados, assoviam a canção da solidariedade.
No mal tratado balde de tantas e tantas jornadas, mergulha suas afogadas ilusões.
Quando sem força, abatido, envelhecido, é abandonado no ‛arame’, e ali fica esquecido, amarrotado e ressequido, como se engomado pelas mãos do tempo.
A água, a vassoura, o sabão e a pazinha são seus companheiros solidários e presentes, com eles ‛convivendo diuturnamente’, enquanto olha com profunda dor e tristeza a indiferença do espanador, da enceradeira, do aspirador de pó, que residem em palácios e prédios finos, não entram nem se aproximam dos barracos e das favelas, vivem distantes, bem longe da miséria.
O ‛paninho de chão’ traz em seu dilacerado rosto cicatrizes dolorosas de ‛tantas desigualdades’.
O ‛paninho de chão’ tem voz, ouve-se o seu sussurro, às vezes gemidos, quando em contato com o chão, de onde vem o calor para aquecer seu coração.
Quando o vejo naquele cantinho turvo, opaco, sinto estremecer a alma.
O ‛paninho de chão’ carrega em sua vida a resignação, o amor, a paz, a esperança, virtudes que dignificam o seu viver e dão um singelo sentido ao seu existir.
(Do Almanaque Gaúcho e Zero Hora, outubro de 2023)
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