domingo, 21 de janeiro de 2018

Zózimo Barrozo do Amaral



Era 1989 e Elba Ramalho curtia uma noite qualquer na boate People, no Leblon. Lá pelas tantas, tomou o telefone do lugar para avisar a alguém onde estava. “É na boate People!”, explicou, antes de soletrar a palavra inglesa: “P-i-p-o-u”. Dias depois, a história estampava a página assinada por Zózimo Barrozo do Amaral no “Jornal do Brasil”. O deslize ortográfico deu o que falar.

− Na época, todo mundo riu, óbvio. A questão é que ainda hoje esse caso é lembrado. E a Elba não fazia ideia que isso ia acontecer − ressalta Joaquim Ferreira dos Santos, que acaba de lançar “Enquanto houver champanhe, há esperança” (Editora Intrínseca), espécie de biografia do jornalista icônico.

Ancorado em pesquisa detalhada, o livro se debruça sobre as mais de 200 mil notas escritas pelo colunista social ao longo de 33 anos de carreira para traçar um panorama da evolução do próprio jornalismo. Foi Zózimo, lá na década de 70, quem rabiscou um novo tom às páginas dedicadas a artistas e pessoas badaladas. Com ele, as linhas foram se tornando um pouco tortas, e os sobrenomes refinados de gente rica (e famosa apenas pelo simples fato de ser rica) foram perdendo importância.

− Ele veio para melhorar e acabar com a coluna social. Era ridículo e cafona publicar o casamento da filha da socialite Carmen Mayrink Veiga! Esses nomes não representavam mais nada, sabe? Zózimo percebeu que ostentar essas riquezas de festas e batizados era algo de muito mau gosto − afirma o repórter e cronista, que trabalhou com o biografado no “Jornal do Brasil”.

A partir do relato de mais de cem pessoas, a obra ainda lança luz à vida pessoal de Zózimo, homem com características sombrias, alcoólatra e torcedor fanático do Flamengo: por vezes, meteu-se, ele mesmo, em histórias pitorescas, daquelas que poderiam facilmente estar na coluna que escrevia. Numa delas, tascou uma dentada numa mulher durante um jogo de futebol no Maracanã, e foi parar na delegacia. Não à toa, a tragédia associada à comédia perpassava os seus dias, finalizando (pimba!) no texto jornalístico irreverente.

− Ele acrescentou um humor às colunas, mas sem perder o senso crítico − frisa Joaquim, que entrevistou Elba Ramalho para esclarecer o causo envolvendo o tal “pipou”: − Ela disse que estava falando com a empregada, que não entendia inglês. Mas nem ligou para a nota...

Casos marcantes

Ficção e realidade:

Flamenguista fanático, Zózimo arrumou um atrito com Zico depois de atribuir o fracasso do time ao fato de o jogador ter bebido oito garrafas de cerveja às vésperas de uma partida.

Sem perder a piada:

Um dos maiores objetivos de Zózimo era arrancar sorrisos dos leitores. A nota anunciando o namoro de Suzy Rêgo e Paulo César Grande fez graça e repercutiu. “Não se aconselha que os dois juntem os sobrenomes”, escreveu ele.

Crônicas geniais:

Zózimo era um frasista nato. Algumas de suas máximas fazem sucesso até hoje − e são atualíssimas. “O problema de Brasília é o tráfico de influência, enquanto o do Rio é a influência do tráfico”, refletiu, numa de suas tantas notas.

Ao noticiar um empurrão sofrido pelo então ministro do exército Lyra Tavares numa cerimônia militar, foi convidado a passar uns dias na prisão. Diz a lenda que ao chegar na cela começou a ser encarado sob olhos incrédulos de outros detentos que perguntaram: “Você não é o Zózimo, colunista do JB?” “Sou eu mesmo” respondeu. Depois de um rápido silêncio, uma gargalhada geral e a conclusão dos colegas: “Os militares endoidaram de vez. Estão prendendo até eles mesmos”.

Por exemplo, quando noticiou o fato da atriz Sônia Braga ter ficado de cócoras num discurso presidencial: “No cinema: É um pássaro? É um avião? Não, é o Super-Homem. No Planalto: É uma penosa? É uma enceradeira? Não, é a Sônia Braga.”

Esta outra, Zózimo relatou em sua coluna:
O amigo, cambaleante, saiu do Antonion´s e, amparado por Carlinhos Oliveira, sugeriu:
− Vamos tomar um táxi?
E Carlinhos:
− É melhor não. Não convém misturar.

Frases geniais

O real está precisando urgentemente de um exame de DNA.

Brega é perguntar o que é chique. Chique é não responder.

Quem pensa em dinheiro não ganha dinheiro.

Hoje quase não há mais famílias, só pessoas jurídicas.

Novo-rico me incomoda muito, mas novíssimo-riquíssimo me incomoda muitíssimo mais ainda.

O Nordeste bota turista pelo ladrão. O Rio bota ladrão para turista.

Viver bem é você ter um tipo de pretensão do tamanho do seu bolso − mesmo com o risco de ficar a um passo da inadimplência.

O problema de Brasília é o tráfico de influência. O do Rio é a influência do tráfico.

Depois de uma certa idade, o homem da cintura para cima é poesia; da cintura para baixo, prosa.

Epitáfio de um hipocondríaco: “Eu não disse?”

Quem pensa em dinheiro não ganha dinheiro.

Viver bem é você ter um tipo de pretensão do tamanho do seu bolso − mesmo com o risco de ficar a um passo da inadimplência.

A morte

Depois de várias internações, já livre da bebida e do cigarro, entre idas e vindas de Miami, uma forte dor de cabeça prenunciou uma metástase. Sem perder o humor, Zózimo se preocupou apenas em não preocupar os que o amavam. Num de seus últimos momentos de lucidez reservou todo seu talento à Dorita, sua segunda esposa e companheira inseparável naqueles sofridos dias. Registrou com competência e elegância seu último ato de amor: “Não sofra. Está ruim viver. Não me segure aqui. Boa viagem”.

Laconicamente, com todo o poder de síntese que sempre exerceu com maestria em suas colunas, Zózimo, aos 56 anos, partia em 18 de novembro de 1997.

Em 2001, devido a identificação do seu nome com a zona sul da cidade, foi homenageado com a criação de um espaço no final do calçadão do Leblon, no início da subida da Avenida Niemeyer. No local uma estátua hiper-realista, reproduzindo Zózimo em tamanho natural, (1,80m), inspirada na imagem que ele tinha por volta dos seus 40 anos de idade.



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