A única foto que se
tem notícia de um navio negreiro brasileiro,
tirada por Marc Ferrez.
O Brasil foi o país que mais recebeu
escravos no mundo, e o último país independente do continente americano a
abolir a escravidão. Conhecer o sentido original e a história de uma expressão
é saber, afinal, o que é que estamos falando. Por isso, essa seleção de nove
expressões populares criadas durante o período da escravidão no Brasil – uma
época que faz parte de nosso passado, mas que possui ainda forte influência
sobre nossa realidade atual.
01. Tem caroço nesse angu:
→ A expressão, que significa que
alguém estaria escondendo algo, tem sua origem em um truque realizado pelos
escravos para melhor se alimentarem. Se muitas vezes o prato servido era
composto exclusivamente de uma porção de angu de fubá, a escrava que lhes
servia, por vezes, conseguia dar um jeito de esconder um pedaço de carne ou
alguns torresmos embaixo do angu. A expressão nasceu do comentário de um ou
outro escravo a respeito de certo prato que lhe parecesse suspeito.
→ “Pau” é um substantivo
utilizado em algumas expressões brasileiras, e tem sua origem nos navios
negreiros. Muitos negros capturados preferiam morrer a serem escravizados e,
durante a travessia da África para o Brasil, faziam greve de fome. Para
resolver a situação, foi criado então o “pau de comer”, uma espécie de colher
que era enfiada na boca dessas pessoas aprisionadas por onde se jogava a comida
(normalmente angu e sopa) até alimentá-los enfim. A população incorporou a
expressão.
03. Disputar a nega:
→ Essa expressão, que significa
disputar mais uma partida de qualquer jogo para desempatá-lo, possui sua origem
não só na escravidão, como também na misoginia e no estupro (o que espanta que
até hoje seja utilizada com tanta naturalidade). Sua história é simples e
intuitiva: quase sempre, quando os senhores do passado jogavam algum esporte ou
jogo, o prêmio era uma escrava negra.
04. Nas coxas:
→ A origem da expressão, que quer
dizer algo mal feito, realizado sem capricho, é imprecisa, e não há consenso sobre
se ela viria de fato do período da escravidão. De todo modo, a vertente mais
popular afirma que a expressão viria do hábito dos escravos moldarem as telhas
em suas coxas que, por possuírem tamanhos e formatos diferentes, acabavam
irregulares e mal encaixadas.
05. Espírito de porco:
→ Ainda que a origem da expressão
venha da injusta má fama associada ao animal, por uma ideia de falta de
higiene, sujeira e impureza, tal má fama é oriunda de princípios religiosos.
Durante o período escravocrata, os escravos se recusavam e eram obrigados a
matar o animal, para que servisse de alimento. A recusa vinha porque se
acreditava que o espírito do animal abatido permaneceria no corpo de quem o
matasse pelo resto de sua vida e, para complementar tal crença, a incrível
semelhança que o choro do porco possui com um lamento humano tornava o ritual
ainda mais assustador.
06. Para inglês ver:
→ Essa expressão tem sua origem
na escravidão, e também no mau hábito ainda atual brasileiro de aprovar leis
que não “pegam” (que ninguém cumpre e nem é punido por isso). Em 1830, a Inglaterra exigiu
que o Brasil criasse um esforço para acabar com o tráfico de escravos, e
impusesse enfim leis que coibissem tal prática. O Brasil acatou a exigência
inglesa, mas as autoridades daqui sabiam que tal lei simplesmente não seria
cumprida – eram leis existentes somente em um papel, “para inglês ver”.
07. Bucho cheio ou Encher o
bucho:
→ Expressão mais comuns em Minas,
eram usadas tanto pelos escravos quanto por seus exploradores, evidentemente
que com outra conotação da que se usa hoje. Atualmente significando estar bem
alimentado, de barriga cheia, na época significavam a obrigação que os escravos
que trabalhavam nas minas de ouro possuíam de preencher com ouro um buraco na
parede, conhecido como “bucho”, para só então receber sua tigela de comida.
08. Meia tigela:
→ A partir da expressão anterior,
a história segue, dando origem a expressão “meia tigela”, que significa algo
sem valor, medíocre, desimportante. Quando o escravo não conseguia preencher o
“bucho” da mina com ouro, ele só recebia metade de uma tigela de comida. Muitas
vezes, o escravo que, com frequência não conseguia alcançar essa “meta”,
ganhava esse apelido. Tais hábitos não eram, porém, restritos às minas, e a
punição retirando-se parte da comida era comum na maioria das obrigações dos
escravos.
09. Lavei a égua:
→ Por fim, a expressão “lavar a
égua”, que quer dizer aproveitar, se dar bem, se redimir em algo, vem também da
exploração do ouro, quando os escravos mais corajosos tentavam esconder algumas
pepitas debaixo da crina do animal, ou esfregavam ouro em pó em sua pele.
Depois pediam para lavar o animal e, com isso, recuperar o ouro escondido para,
quem sabe, comprar sua própria liberdade. Os que eram descobertos, porém,
poderiam ser açoitados até a morte.
Pesquisa de Vitor
Paiva para o Hypeness
Adendo:
10. Cu pra conferir:
→ Os escravos enfiavam pepitas de
ouro ou mesmo diamantes no ânus, e, assim, burlavam a segurança. Descobertos,
passaram a serem vistoriados pela guarda imperial. Entre os componentes da
guarda a questão era quem iria conferir os ânus dos escravos e animais para
saber se carregavam diamantes. Passou, então, a ser uma tarefa difícil,
trabalhosa e chata: “um cu pra conferir”.
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