quinta-feira, 27 de abril de 2017

Histórias de Paraquedistas XXIX

Um perrengue no salto

Uma história de Vítor José Zenatti,
Pqdt 16.073 – 1967/2 – MS 1609


Embarque de paraquedistas no C-119

Lendo as histórias narrando fatos acontecidos com nossos irmãos e audazes guerreiros alados, entusiasmei-me e segue, mais uma, para ser avaliada para publicação no nosso Almanaque do Grafonsos, para recordar e renovar nossa vibração paraquedista!

Permanecendo 18 anos em atividade contínua no Batalhão Santos Dumont, desde sua criação, muitas histórias aconteceram, tanto em saltos, diurnos e noturnos, nos TIBC, que fiz em Xerém e nos EBC, na Serra de Madureira, posteriores, e que participei como instrutor/monitor, e, obviamente, nas manobras anuais e acampamentos. Esta que segue, fiz parte da mesma. Como diziam os cariocas: foi um “perrengue!” (grande susto).

Por volta de 1970, num salto diurno, apenas para cumprir o plano na ZL dos Afonsos, eu era o segundo homem da porta da esquerda. O salto seria na luz verde! Após o ritual de praxe com os respectivos comandos do MS, de preparar! Levantar! Enganchar! Verificar equipamento! Contar! À porta!, feitos pelo MS, que não me lembro o seu nome, o primeiro homem (Borlani, Pqdt encorpado, de bom tamanho e peso), ao ouvir o “Já!” do MS e recebido o “Já!” do Auxiliar. de MS, com aquele tapinha costumeiro, ao invés de sair para frente e para cima, retirou as duas mãos do lado de fora da fuselagem e recusou a saída!

O pessoal da outra porta continuava a sair. A pressão nas minhas costas dos demais elementos da equipe começou a aumentar e chegou um ponto que não dava mais para segurar, mesmo porque o Auxiliar de MS também gritava: Vai! Vai! Vai...

Ao saltar, contar um mil, dois mil, três mil, quatro mil e depois de verificar o velame, vi que não estava sobre a ZL! Observei os prédios de Marechal Hermes “entortarem”, cães nervosos e pessoas agitadas se deslocando para ver o que acontecia. Sinceramente, minha primeira reação instintiva de sobrevivência foi subir pelas linhas do paraquedas e chegar no C-119, que se distanciava em direção aos Afonsos. Logo a seguir, com as duas mãos nos tirantes, tentei encontrar um local limpo para aterrar. O que via era prédios, casas, ruas e, pior, aquela rede de alta tensão que serpenteava as ruas e margeava a Benedito da Silveira! Não tinha opção. Tirei a força dos tirantes, rezei e entreguei minha alma a Deus! O chão se aproximava e não tinha a menor expectativa onde iria aterrar. Segundos eternos e extraordinariamente estressantes, pois o que poderia vir seria o fim...

Fiz uma aterragem razoável, ileso, num triângulo de terra de aproximadamente 20 a 30 metros quadrados, entre o meio fio de uma rua interna da subsistência da Aeronáutica, o muro que limitava a área militar e uma casa de alta tensão, que era a subestação de força das instalações ali existentes!

Passado o susto inicial, fiz um “giro do horizonte” para me orientar e saber dos demais companheiros, e vi um pqdt em cima da casa de força: era o cabo Severo, do Rancho, e não se machucou também! Foi preciso ajuda dos bombeiros da Base para retirá-lo, tamanho o perigo de vida que corria! Logo chegaram militares da aeronáutica e um suboficial me disse que aquele pqdt teve sorte, porque há menos de duas semanas fora trocado o telhado de telhas por uma laje de concreto daquela subestação de força...

Depois de algum tempo, veio o resgate e voltei para o quartel, tomando conhecimento do que houve e as conseqüências: por incrível que possa parecer, salvo se considerarmos a ajuda do nosso Protetor Alado, além do cabo Severo, outro paraquedista adentrou pelo telhado num banheiro externo de uma casa em Marechal, quebrou a pia e não se feriu com gravidade. O único que precisou ser removido para o hospital foi um pqdt que ficou enganchado em um poste de energia e, ao retornar do pêndulo e esticar o paraquedas que ficou preso, bateu forte com o pé no próprio poste e teve ferimentos de certa gravidade. E foi só!

Estamos aqui de passagem e muitas coisas acontecem e entre as quais, aquelas que precisamos agradecer pela graça de poder continuar na caminhada até o cumprimento da Missão!

Encerrando: a culpa não foi do MS, conforme sindicância realizada!

*****

 Observação:



ZL do Campo dos Afonsos, bairro antes da pista,
Marechal Hermes e, no final da pista,
quartéis e o bairro de Deodoro


A ZL do Campo dos Afonsos, cercada por casas e edifícios do bairro.

A Zona de Lançamento do Campos dos Afonsos fica no bairro de Marechal Hermes, subúrbio do Rio de Janeiro, um ficando praticamente ao lado do outro. Se um paraquedista atrasar a sua saída do avião, vai aterrar em lugar errado. Veja, abaixo, um lançamento errado no ano de 2016.


Paraquedista numa rua do bairro


Paraquedas num fio de uma rede de alta tensão


Outro acidente no bairro

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