terça-feira, 25 de abril de 2017

Oddone Greco semeou anedotas pela capital



(Oddone Greco – 1919 – 1959)

Texto de Eduardo Veras e Uilson Paiva

Oddone Greco tinha uma característica que o acompanhou por toda a vida: não importava por onde andasse, sempre levava os outros para o mau caminho. Um dos mais irreverentes personagens da história de Porto Alegre, Greco traduziu em passagens hilariantes o espírito de uma época. Histórias que foram reunidas pelo cronista Renato Maciel de Sá Júnior em três volumes do livro O Anedotário da Rua da Praia.

Descendente de uma família tradicional de imigrantes italianos, Greco foi legítimo bon vivant. Seu pai era o próspero Januário Greco, dono do primeiro automóvel a circular pela Capital, em 1906, de prédios e três cinemas, entre eles o Apollo.  Único homem entre cinco filhos, Oddone Greco empregava todo tempo livre – as 24 horas do dia, já que não trabalhava – em gastar a fortuna do pai. “Papai brigava muito para que Oddone trabalhasse, mas ele acabava levando todo mundo no bico”, lembra a irmã Inédia Greco Saraiva, 75 anos,* conhecida como Dona Mimosa. Mais que desfrutar do dinheiro, a verdadeira vocação do boa-vida era mesmo a zombaria, o gracejo, a galhofa. Na Porto Alegre dos anos 30, 40 e 50, poucos escaparam de suas patuscadas – como se dizia na época.

Para semear anedotas pela Capital, Greco não precisava sequer sair de casa, um palacete de 28 peças na Avenida Independência, onde hoje está o Edifício Britânia. Foi da janela de seu quarto que Greco protagonizou uma de suas histórias mais notáveis.

Aproveitando ser franqueada a visita aos campanários da Igreja da Conceição, Greco amarrou um fio de pesca em um dos sinos. Com um bodoque, arremessou a outra ponta do fio, enrolada em uma pedrinha, até o pátio de sua casa, ao lado oposto da rua. A partir de então, os moradores das redondezas passaram a ouvir badaladas dos sinos, nas horas mais improváveis. Criou-se o mistério: por força de quem os sinos dobrariam? Do vento? De uma alma de outro mundo? Um historiador aventou a possibilidade de as badaladas serem a tentativa de comunicação de um índio que ali morrera sob tortura. Um especialista em Código Morse prontificou-se em psicografar os sinais do além. Novenas foram rezadas, despachos foram feitos. Greco assistia a tudo sem se manifestar, até que o fio arrebentou. A verdade só foi confessada a amigos tempos depois.

A poucos metros de casa, no Colégio Rosário, Greco não dava trégua aos professores. Durante um ano letivo seu maior divertimento foi retirar, com canivete e tesourinha, os pompons dos cintos dos padres. Para salvar o filho das ameaças de expulsão, Januário Greco socorria a paróquia do Rosário com polpudas doações. Na última investida contra os pompons Greco foi apanhado e expulso do colégio.

O mais freqüente campo de ação de Greco era a Rua da Praia. Na principal artéria econômica e social da Porto Alegre de então, passou trotes em comerciantes, pregou peças nos amigos e chegou a roubar um bonde. Greco morreu de enfarte em fevereiro de 1959, aos 40 anos, ainda solteiro. Familiares foram avisados na praia por intermédio das rádios. Alguns amigos, pensando se tratar de mais algum de seus trotes, não deram importância à notícia. “Toda uma época desapareceu com ele”, escreveu Renato Maciel de Sá Junior.

Na trilha de um boa-vida irreverente

Oddone Greco fez estripulias no centro da Porto Alegre dos 30, 40 e 50

1. Um casarão de 28 peças na Avenida Independência, quase esquina com a Rua Conceição, serviu de lar para a abastada família Greco. Foi derrubado para dar lugar ao Edifício Britânia, um prédio residencial de 10 andares. A Rua Conceição também sumiu. No local, ergueu-se uma elevada, que desemboca no primeiro (e único) túnel da capital.


Avenida Independência – 1920

2. No Colégio Rosário, o estudante Oddone Greco protagonizou muitas façanhas. Certa noite, para fugir do internato, roubou todos os mosquiteiros do alojamento, amarrou-os uns aos outros e desceu os dois andares que o separavam da calçada.
Na escola, fundada em 1904, estudaram figuras ilustres do Estado, como os senadores Pedro Simon e José Fogaça e os ex-governadores Amaral de Souza e Synval Guazelli.


Colégio Rosário – 1940

3. Na Igreja Nossa Senhora da Conceição, Greco preparou o surpreendente golpe do sino. O templo, construído em 1851, é muito requisitado hoje por casais apaixonados: contabiliza uma média de 180 casamentos por ano.*

*Esse dado é de março de 1992, ano da publicação desta matéria.


Igreja Nossa Senhora da Conceição

4. Na Avenida independência, por onde circulam atualmente 4 mil veículos nos horários de pico, trafegou o primeiro automóvel de passeio surgido em Porto Alegre, um francês De Dion Button, propriedade da família Greco. Na foto abaixo, em 15 de abril de 1906, no banco de trás, entre seus dois irmãos, está o patriarca Januário Greco. O homem ao volante é o único cidadão da época que sabia dirigir em Porto Alegre: um presidiário, “hóspede” da Casa de Correição.


Januário Greco, seu irmão e o único motorista da cidade.

5. Em 1° de abril de 1914, é inaugurado na Avenida Independência, número 18, o Cine Apollo, de Januário Greco (pai de Oddone) e Eduardo Hirtz, entre outros. O cinema, com capacidade para 1554 pessoas na primeira classe e 450 na segunda, foi destruído para dar lugar a um estacionamento.


Cine Apollo – 1927

6. No salão de jogos do Clube do Comércio, na Praça da Alfândega, Oddone apostou altas quantias e chegou a perder o anel de noivado.


O prédio mais alto: Clube do Comércio, defronte à Praça da Alfândega.

7. Na Rua da Praia com Bento Martins, o varão dos Greco encontrou um bonde vazio. Aproveitando-se da distração do motorneiro, do cobrador e fiscal, entretidos em um boteco daquela esquina, Oddone assumiu os controles do carro. Levou o veículo até o fim da linha de Navegantes*e, de lá, voltou para casa de carro de praça.

*O único bonde que passava pela Rua da Praia era o da linha Gasômetro.



(Matéria publicada em 14 de março de 1997, em Zero Hora)


Oddone Greco em 1958


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