José Benedito passara a noite em claro. Estava preocupadíssimo com um compromisso financeiro inadiável. Era um título bancário, com vencimento para aquele dia, mas o pior é que ele estava sem vintém. Pela manhã, extenuado, tomou um banho, para se refazer, vestiu-se e encheu-se de coragem para ir bater à porta de seu amigo Jerônimo, milionário e bem instalado na vida, o qual bem podia desapertá-lo.
– Vim cedo te procurar, prevalecendo-me da nossa velha amizade. E vim para tratar de um assunto muito desagradável e urgente: preciso que me emprestes, até sábado, dez mil cruzeiros*. Pode ser ou está difícil?
– Evidentemente está difícil, mas os amigos são para sanar estas dificuldades. No momento, não tenho dez mil cruzeiros em caixa, mas te darei um cheque, que é a mesma coisa.
Assim, rapidamente, José Benedito foi atendido, retirou-se contente e agradecido, para ir saldar imediatamente o seu débito no banco.
Na sexta-feira, porém, Benedito estava novamente inquieto. É que ele promete devolver no sábado, a seu bom amigo Jerônimo, os dez mil cruzeiros, que lhe emprestara com tão boa vontade, e a verdade é que ele não tinha o dinheiro para devolver. E ele não podia faltar à sua palavra, nem desiludir um amigo de tantos anos, que o tinha atendido com tanta presteza e solicitude. No sábado, depois de uma noite atribulada, tomou pela manhã uma resolução heroica: foi à casa de outro amigo expondo-lhe a sua aflitiva situação e solicitando-lhe dez mil cruzeiros emprestados, impondo-se a condição de devolvê-lo até a próxima quarta-feira. Atendido com incrível boa vontade pelo amigo, José Benedito correu como uma flecha para pagar os dez mil cruzeiros que devia a Jerônimo.
Na quarta-feira seguinte não dispondo de numerário para resgatar a dívida que contraíra com o outro amigo, Amarildo, José Benedito teve que voltar a pedir o dinheiro a Jerônimo. Mas no sábado seguinte, para pagar a Jerônimo, teve que recorrer outra vez a Amarildo. Durante meses, José Benedito viveu nessa agonia, correndo, aos sábados, ao escritório de Amarildo para pagar a Jerônimo e, às quartas-feiras, batendo à porta de Jerônimo para liquidar a dívida com Amarildo.
Numa festa da sociedade, numa noite, por acaso, José Benedito encontrou os dois amigos. Chamou-os à parte e revelou-lhes toda a sua tragédia:
– Todos os sábados vou apanhar dez contos com você, Amarildo, para pagar a você, Jerônimo; e todas as quartas vou buscar dez contos com você, Jerônimo, para pagar os dez contos devidos a você, Amarildo. Trata-se, como estão vendo, de uma dívida entre vocês dois e da qual eu sou simples intermediário, sem tirar nenhum proveito. Refletindo melhor sobre este assunto, resolvi retirar-me deste negócio, livre e desembaraçado, de maneira que, daqui por diante, vocês podem continuar a fazer esses pagamentos, às quartas e sábados, sem a minha inútil intervenção.
E dizendo isso, despediu-se
afetuosamente dos amigos embasbacados para nunca mais aparecer...
(Do livro “O Barão de Itararé apresenta o seu
Almanhaque, de 1955”)
* Cruzeiros: moeda da época em
que a história se passou.
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