Aviador, produtor de
cinema, esportista e boêmio.
(Crônica de Ruy Castro, do livro "Ela é Carioca")
Nascimento:
09/09/1920, Rua Silveira Martins, Catete, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Brasil; Falecimento: 20/12/1999, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
Quando se diz que o carioca é alegre,
pode-se estar cometendo uma injustiça - porque, se é assim, como classificar
Carlinhos Niemeyer? Homem em permanente estado de Carnaval, ele já incendiou
festas, coquetéis, arquibancadas, boates, praias, ruas e bairros inteiros do
Rio. O Clube dos Cafajestes, o Caju-amigo, o Castelinho, o Flamengo, o Canal
100, tudo isso é Carlinhos Niemeyer. E, na qualidade de verdadeiro inventor do
sorriso de orelha a orelha, ele nunca se arrependeu de ser feliz.
Nascer na rua Silveira Martins, a
poucos metros do Palácio do Catete durante um Fla-Flu, apenas lhe facilitou as
coisas: optou logo pelo Flamengo, e ser vizinho do centro do poder fez com que,
desde cedo, aprendesse a não levar autoridade a sério. O Carnaval de sua
infância eram as inocentes batalhas de confete e Carlinhos decidiu que, um dia,
iria torná-lo menos inocente. Quando veio a Segunda Guerra, ele serviu na Força
Aérea Brasileira (FAB). Um estágio como piloto de caça nos Estados Unidos
permitiu-lhe ir a Hollywood e dar uma namoradinha em Carmem Miranda. De
volta ao Rio, foi pilotar bombardeiros. Num vôo de patrulha da costa, sabendo
que havia um submarino alemão na área, viu um corpo estranho lá embaixo e
preparou-se para soltar uma tonelada de bombas. Teria sido um vexame porque, de
repente, o submarino esguichou - era uma baleia.
Com o fim da guerra, em 1945,
Carlinhos entrou para a viação civil, onde conheceu sua alma gêmea: Carlos
Eduardo Oliveira*, o comandante Edu, também ex-FAB. Juntos, eles criaram o Clube
dos Cafajestes, uma instituição de boemia carioca. Os Cafajestes eram um grupo
de rapazes entre 25 e trinta anos, alegres, mulherengos, bons de copo,
criativos e corajosos. Quase todos tinham curso superior, trabalhavam e falavam
línguas (nada a ver com os marombeiros de hoje). Sua base de operações era
Copacabana, mas suas estripulias cobriam a cidade. Andavam juntos o ano todo e,
no carnaval, abafavam: suas festas a fantasia eram as mais disputadas da
cidade, com bebida, orquestras e mulheres no superlativo. Brigas também, a maioria
provocada por gente de fora - porque só quem não os conhecia ousava
desafiá-los. Armados apenas com os punhos e um ou outro caco de garrafa, os
cafajestes enfrentavam até o choque da Polícia Especial.
Deixados em sossego, limitar-se-iam a
rir, beber e inaugurar as mais deslumbrantes garotas da sociedade, que eram
loucas por eles. Inauguraram também a idéia de dar festas nas casas de
Copacabana condenadas à demolição - no fim de cada festa, já não havia muito o
que demolir. Em muitas daquelas mil e uma noites, os Cafajestes sentiram-se
imortais. E, então, em 1950, Edu morreu num desastre com seu Constellation da
Panair. Ele era o líder, o herói e, para Carlinhos, os Cafajestes acabaram ali.
Em homenagem a Edu, Paulo Soledade e Fernando Lobo fizeram a marchinha
"Zum-zum" ("está faltando um"), campeã do Carnaval de 1951,
os Cafajestes deram uma festa para mil pessoas no antigo Cassino Atlântico, no
posto 6. Depois, muitos boêmios, por serem amigos de um ou de outro da turma, começaram
a dizer-se membros do clube (como o milionário paulista Baby Pignatari, que
praticamente comprou seu ingresso no grupo).
O espírito dos Cafajestes continuou
vivo nos bailes do Caju-amigo, regados à batida de caju, que Carlinhos passou a
promover no Carnaval. Os primeiros foram na boate Vogue, no Leme, mas, em 1955,
o Vogue pegou fogo e o Caju-amigo ficou itinerante. O traje oficial de
Carlinhos para esses eventos era sua melindrosa rubro-negra ou a fantasia de
"Dama de Preto", personagem da coluna de Ibrahim Sued. O Caju-amigo
cresceu tanto que as boates já não o comportavam. Em 1964, Carlinhos promoveu
um reveillon que começou às dez da manhã do dia 31 de dezembro no Castelinho -
na praia mesmo, fechada por eles, e avançou pela noite. Foi uma grande
esbórnia, com a orquestra a todo o pano e gente fantasiada rolando no escuro
pela areia. Foi também a primeira vez que se fechou Ipanema para um evento.
Mas, muito antes, em termos de praia,
ele já fizera a transição de Copacabana para o Arpoador. Morador do Flamengo
nos anos 40, Carlinhos estava sempre na praia em Ipanema com os muitos jovens
Antonio Carlos Jobim e Kabinha e Sinhozinho, ao lado de Paulo Amaral e Luiz
"Ciranda", e à noite, na deserta e escura avenida Vieira Souto, usava
seu Studebaker como cama de casal. Em 1954, ele e sua turma botaram meio
Arpoador para correr, em defesa de Marta Rocha, que estava sendo ofendida por
moleques por sua recente derrota no Concurso de Miss Universo.
Outra ideia de Carlinhos foi a volta
do corso de automóveis no Carnaval. Ele e seus amigos alugavam fordecos e
rabos-de-peixe conversíveis no subúrbio, enchiam-nos de grandes mulheres e
desfilavam pela zona sul. O último corso, em 1969, saiu recolhendo gente por
Ipanema e fez ponto final no Copacabana Palace, com a turba se atirando de
roupa na piscina, inclusive os moleques do morro do Cantagalo, que haviam se
juntado a ele. Mas, naquela época, o próprio Caju-amigo já estava ficando sem
graça: os penetras eram tantos que havia quem chegasse a Carlinhos e
perguntasse quem era ele. "De amigo, só restou o caju", ele disse.
Até no futebol Carlinhos conseguiu
distribuir alegria. Em 1959, abandonou a aviação e criou o cinejornal Canal
100. Nos 28 anos seguintes, em qualquer cidade brasileira, não houve platéia
que, ao ir ao cinema, não exclamasse "Ah!". - quase um orgasmo - ao
ver surgir na tela o símbolo do Canal 100 e seu empolgante prefixo, "Na
Cadência do Samba", de Luiz Bandeira. Era o futebol brasileiro no seu
apogeu e filmado como ninguém mais sabia fazer.
O Canal 100 não se limitava às
burocráticas tomadas de cima da marquise, a gols mais mostrados e a jogadores
dando a saída no segundo tempo, como faziam os outros jornais. Era um festival
de dribles em big close, gols no nível do gramado, goleiros desolados indo
buscar a bola no fundo da rede, artilheiros dando socos no ar e geniais
caratonhas de torcedores banguelas na geral - muitas vezes em câmera lenta e
registrado por seis ou oito câmeras nos grandes jogos (quase sempre os do
Flamengo ou da Seleção). O narrador era Cid Moreira. A criatividade do Canal
100 mudou a maneira de filmar o futebol no mundo inteiro e antecipou em muitos
anos as bossas de que hoje se orgulha a televisão. Com a diferença de que, no
começo do Canal 100, eram feitas com filme de cinema, muito mais difícil de
operar, não com videoteipe. As quase 2 mil partidas cobertas pelo Canal 100
constituem um acervo (muito bem guardado no depósito do Cinejornal, em Ipanema)
fundamental do futebol brasileiro.
Não há expressão melhor para definir
Carlinhos Niemeyer do que o verso daquele mesmo samba: "Que bonito
é".
*Eduardo Henrique Martins de Oliveira
*Eduardo Henrique Martins de Oliveira
FRASES:
Quem nasce no Rio já está com meio carnaval andado.
Se Frank Sinatra veio para o Brasil, tudo é possível.
Fora do Sério, quero é muito calção de banho.
(Sobre o Clube dos
Cafajestes):
ß
Éramos quadrados e machões, mas éramos felizes. Ríamos até
de gol contra.
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