quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Bons tempos aqueles...

 

Parte I 

Eu sou de um tempo distante,
o chamado tempo do onça,
tempo em que qualquer máquina
era uma geringonça.
Sou do tempo em que
se amarrava cachorro com linguiça,
que aos domingos a gente ia à missa.
Trago lembranças bacanas
das Casas Pernambucanas,
das farras, no bonde aberto,
dos chapéus da Casa Alberto.
Tempo em que adultério era crime
e o Flamengo ainda tinha time.
Do busca-pé, do rojão,
sou do tempo do xarope São João.

Venho do tempo em que
menino só gostava de menina,
tempo do confete e serpentina
nas festas de Carnaval
do Sírio, do Monte Líbano,
dos bailes do Municipal.
Sou do tempo do bicarbonato,
do lançamento do Sonrisal.
Sou do tempo em que futebol era pra macho,
em que ninguém sossegava o facho
nos bailes de formatura,
dos play-boys botando banca,
tempo que o telefone era preto
e a geladeira era branca.
Sou do tempo em que se confiava
nas companhias aéreas,
em que a penicilina
curava as doenças venéreas.
Sou do tempo da Rádio Nacional,
do lança perfume no Carnaval,
do calouro na hora da peneira.
Tempo em que pó era o mesmo que poeira.
Tempo do terno risca de giz,
da calça de boca apertada,
da Lapa de Madame Satã,
de poder ir torcer no Maracanã
e lembrar da mãe do juiz.
Sou do tempo do Doi-Codi,
do comigo-ninguém-pode,
da ditadura envergonhada .
Sou do tempo em que ficar
era não ir.
Tempo de permitir
passeios à beira-mar.
Tempo de se curtir a vida
sem medo de bala perdida.
Tempo de respeito pelos pais,
enfim, sou de um tempo que não volta mais.
 

Parte II

Sou do tempo da brilhantina ,
do laquê, da Glostora, do Gumex,
o correio não tinha Sedex,
o que vinha era telegrama
trazendo uma má notícia.
Sou do tempo em que a polícia
perseguia todo sambista
que tivesse alguma fama.
Tempo em que mulher é que usava brinco
em que as portas não tinham trinco,
e que se dizia demorou
só pra quem chegasse atrasado.
As calças não perdiam o vinco,
picada era só na bunda
se aquela febre profunda
não tivesse melhorado.
No meu tempo coca era refrigerante
e todo homem elegante
abria a porta do carro.
Aceitava-se qualquer cigarro
sem medo de ser um novo fato.
Só preço podia ser barato.
Bicho era só o animal
cara, o rosto do pobre mortal.
Sou do tempo do tergal
do ban-lon, do terilene,
da Emilinha e da Marlene
no sucesso musical.
Sou do tempo do mocinho
e o vilão com cara de mau,
do reclame de fortificante,
do óleo de fígado de bacalhau.
Sou do tempo do coreto e da banda,
do velho cigarro Yolanda
vendido na venda da esquina.
Sou do tempo da estricnina,
veneno tão poderoso.
Sou do tempo do leite de magnésia,
do sagu, do fubá Mimoso,
do fosfato que curava a amnésia.
Sou do tempo da cocoroca,
do tempo da Copa Roca
que muita gente não viu.
Do progresso tão abrupto
que todo mundo assistiu,
porém político corrupto
o rato que sai da toca
Ora! Esse sempre existiu!

Parte III

Sou do tempo em que Benjor
se chamava Jorge Ben.
A carne do bife era acém ,
ração de cachorro era bofe.
No meu tempo não havia estrogonofe.
Sou do tempo do tostão e do vintém
da zona com seus bordéis,
programas de dez mil réis.
Sou do tempo da Cibalena e do Veramon.
Só não vi a revista Fon-fon.
Assisti a filmes do Rin-tin-tin.
Sou do tempo da confeitaria Manon
da magia, do pó de pirlimpimpim.
Colecionei estampas Eucalol.
Acompanhei o lançamento da Avon,
tomei o fortificante Calcigenol.
Sou do tempo da PRK 30,
do rádio tipo capelinha,
dos contos da Carochinha,
do remédio anunciado:

“Veja, ilustre passageiro,
o belo tipo faceiro

que o senhor tem a seu lado

Mas, no entanto, acredite,

quase morreu de bronquite,
salvou-o o Rhum Creosotado”. 

Sou do tempo da Cafiaspirina
da compressa de antiflugestina,
do bálsamo de benguê.
Fui leitor do almanaque Tico-Tico,
tempo em que trabalhador ficava rico.
Sou do tempo da Casa Cave
do taco com cera Parquetina,
dos discursos do Presidente Gegê.
Sou do tempo do óleo de linhaça.
Andei na Maria Fumaça.
Li muito a revista O Cruzeiro.
Escrevi com caneta- tinteiro.
Separei o joio do trigo.
Vi muito vigarista na cadeia.
Só não fui garçom da Santa-Ceia.
Também não sou assim tão antigo!

(Autor desconhecido)

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