Um poeta esquecido
(Alcy Cheuiche)*
Depois que perdemos Rodrigues
Till, ninguém mais, que eu saiba, escreveu sobre Alceu Wamosy. E como se
aproxima o centenário da morte do poeta (seis anos não são nada), vamos
recordar um pouco da sua vida e obra.
Napoleão dizia que a pessoa que
não entra na lenda, não merece estar na História. Eu penso assim a respeito da
sátira, principalmente a que nasce espontânea da palavra popular. Pois houve um
tempo, quando eu era criança, em que o poema “Duas Almas”, de Alceu Wamosy, era
tão declamado que brotaram do nada os seguintes versos:
“Ó tu que vens de longe,
ó tu que vens cansada,
por que não vieste de bonde,
desgraçada?”
Eu não me ofenderia se fizessem
algo parecido com um poema meu... O triste é que talvez alguém se lembre da
sátira (esteja rindo, neste momento), mas duvido que seja capaz de dizer o
poema inteiro:
Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, sob este teto encontrarás carinho,
eu nunca fui amado e vivo tão sozinho,
vives sozinha também, e nunca foste amada.
A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho,
entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só nem irás tão sozinha.
Há de ficar comigo uma saudade tua,
hás de levar contigo uma saudade minha.
entra, sob este teto encontrarás carinho,
eu nunca fui amado e vivo tão sozinho,
vives sozinha também, e nunca foste amada.
A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho,
entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
E amanhã, quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só nem irás tão sozinha.
Há de ficar comigo uma saudade tua,
hás de levar contigo uma saudade minha.
Um soneto com 103 anos de idade,
pois foi escrito em 1914 quando Wamosy tinha 19 anos. E escrito em Alegrete,
onde, sob o olhar desconfiado da tia e o olhar confiante do cão, um menino
inventava poesia. Sim, Mário Quintana tinha oito anos quando “Duas Almas” foi
escrito e, como desde criança era alimentado com versos, seguramente o leu
ainda úmido de tinta no jornal “A Cidade”, fundado por José Afonso Wamosy, o
pai do poeta.
Mas, vamos com calma. Antes que
meus amigos de Uruguaiana comecem a reclamar, vamos dizer logo: Alceu Wamosy
nasceu naquela linda cidade, junto ao Rio Uruguai, “um cielo azul que viaja”,
como disse o poeta Aníbal Sampayo.
Nasceu no dia 14 de fevereiro de
1895 e ficou sem nome de batismo por muitos meses. Isso porque seu pai,
orgulhosos do varão primogênito, decidiu escrever a Guerra Junqueiro, lá no
longínquo Portugal, pedindo-lhe para escolher o nome do menino. É certo que a
carta tardou bastante em sua viagem de navio, e a resposta outro tanto. Assim,
aquele que o poeta lusitano nomeou Alceu, por pouco não entrou na História com
o prosaico apelido de “Nenê”.
Recebida a resposta, seguramente
José Afonso Wamosy foi consultar o Larousse e vibrou ainda mais de alegria. Ali
estava o verbete Alcée, identificando o poeta grego do século VII a.C., nascido
na Ilha de Lesbos. E a premonição de Guerra Junqueiro até hoje encanta os
amantes da poesia.
Alceu Wamosy amealhou
precocemente uma invejável cultura. O Ginásio de Uruguaiana explica esse
fenômeno (para os dias atuais), da mesma forma que a qualificação do Ginásio da
Bahia foi fundamental para despertar o humanismo em Castro Alves. A verdade
é que o ensino secundário, após a reforma feita por Dom Pedro II, inspirada no
liceu francês, oferecia amplos conhecimentos universais, transparentes na
poesia e prosa de Alceu Wamosy desde a adolescência.
José Afonso Wamosy criava e
fechava jornais, iniciando muito cedo o filho na arte da tipografia. Em
Uruguaiana, fundou e afundou “O Povo” (homônimo do célebre jornal farroupilha)
e “O Democrata”. Em Alegrete, para onde se transferiu com a família em 1909,
fundou o jornal “A Cidade”, que Alceu passou a dirigir em 1911, com apenas 16
anos. E foi exatamente no segundo aniversário desse jornal (exemplar n° 152, de
14 de julho de 1911) que o jornalista/poeta escreveu estas palavras, certamente
inspiradas na Queda da Bastilha:
“A independência de tudo e de
todos tem sido o nosso apanágio; e até o fim da vida há de, como uma sombra,
nos seguir os passos”.
Foi na tipografia do mesmo jornal
que Alceu compôs, letra por letra, os 20 poemas do livro “Flâmulas”, o seu
primeiro “solo”. E que começo para um jovem de 18 anos, vivendo tão distante
dos grandes centros culturais. Poemas de alto valor simbolista que merecerão de
Quintana esta preciosidade de comentário, muitos anos mais tarde:
“Alceu Wamosy, desde sua estreia,
foi um dos poucos poetas que soube ser popular e requintado ao mesmo tempo”.
Sem saber que ainda será obcecado
pelo tema, Alceu fala da vida e da morte, num belo jogo de luz e sombra:
Se ela é tão linda assim,
se a vida é tão formosa,
se há tanta paz cá dentro,
e tanto sol lá fora,
se o céu é o nosso teto
e a nossa luz é a aurora,
por que hei de pensar
na morte tenebrosa?
Um gosto do “Mal Secreto”, como
se o poeta começasse no mesmo patamar em que outro terminara: Raimundo Correia
morreu em Paris, em 1911, dois anos antes da publicação de “Flâmulas”.
(...)
Plágio foi o que fez um tal de
Evaristo de Paula publicando, em seu nome, na revista carioca “Fon-Fon” (uma
das mais lidas no Brasil de 1914) o poema “Duas Almas”. Desmascarado, só ajudou
a tornar conhecido o nome de Wamosy no Rio de Janeiro.
Nessa época, Alceu começou a
movimentar-se, indo viver em Porto Alegre , voltando a Alegrete e, finalmente,
fixando residência em
Livramento. As cartas escritas aos amigos são
testemunhas de suas inquietações. Apaixonado por várias mulheres ao mesmo
tempo, deslocado nos empregos que obtinha, postergava a publicação do seu livro
“Coroa de Sonhos”. Temendo que se perdessem, mandou os originais ao amigo João
Pinto da Silva, com uma pequena carta datada de 6 de fevereiro de 1920, em que
se confessava “comercialmente burro” e dizia textualmente: “Ando com palpite de
que vão me matar, de um momento para outro, e não quero que os fariseus matem
também, pelo extravio e pelo esquecimento, o que pode perdurar de mim”.
Profecia que se cumprirá três anos depois.
No livro de memórias “A Campanha
de 23”, Flores da Cunha, comandante da Brigada do Oeste, narra que, no
início do mês de setembro, mandou construir uma balsa para suas tropas
atravessarem o rio Santa Maria, na altura de Rosário do Sul. Ordenou também aos
coronéis Nepomuceno Saraiva e Sinhô Cunha, junto aos quais combatia o alferes
Alceu Wamosy, para subirem pela margem esquerda do rio, que estava muito cheio.
Ao chegar junto ao Serro do Batovi, o General Flores envia uma contraordem aos
dois coronéis para que passem também para a margem direita, “pois seus efetivos
não alcançavam trezentos homens e não dispunham de armas automáticas”.
Nepomuceno e Sinhô Cunha ignoraram a ordem, prosseguiram e foram batidos pelos
maragatos de Honório Lemes no combate de Ponche Verde, em Dom Pedrito.
Ferido no peito, Alceu Wamosy foi
recolhido pelos inimigos e levado para um local chamado “Três Vendas”, junto
com outros feridos, entre eles um semidegolado. Em depoimento de David Barros
Cassal, consta que os maragatos deram garantia de vida a Wamosy, mas Honório o
teria admoestado, dizendo que gostava dos seus versos, mas “aquele não era o
lugar para um intelectual”. O que honra as leituras do “Tropeiro da Liberdade”,
mas expõe uma incoerência. Esqueceu-se Honório (personagem ímpar da nossa História)
que outro intelectual, seu ghostwriter, aquele para quem ditava cartas e ordens
militares, o médico e advogado Batista Luzardo, comandara a carga de cavalaria
que decidiu o combate de Ponche Verde.
Seja como for, Honório Lemes
mandou que Alceu Wamosy fosse libertado e “posto num auto de praça que o levou
ao hospital de Livramento”. E foi ali que morreu, dez dias após o combate, a 13
de setembro de 1923.
Discute-se se teria ou não
casado in extremis com sua enfermeira Maria Bellaguarda (nome perfeito
para o último amor do poeta...).
“Si non è vero, è ben trovato”.
*Escritor
(Caderno de Sábado,
do Correio do Povo, 16 de setembro de 2017)
Tenho uma historia real para contar. Sou sobrinho neto de Alceu Wamosy, meu avô Pery Faria Correa, teve um filho com a irmã de Alceu, Absayeg Wamosy. Pery e Alceu Wamosy foram amigos e ele conheceu Absayeg atraves de Alceu. Meu Avô Pery, era casado e nao havia relevado a irmã de Alceu que o era, entao, quando meu Pai nasceu do utero de Absayeg Wamosy, ela ficou sabendo da mentira e veio a falecer segundo consta a historia familia em poucas semanas de " tristeza" . Meu avô Pery assumiu meu pai e o trouxe para a sua propria esposa ( Clotilde D' Elia Faria Correa) criar i menino, que em homenagem ao Tio, chamou-se tambem Alceu. Minha vó casada oficialmente com Pery nunca pode ter filhos, mas curiosamente cuidou de 3 filhos do Pery, um com cada mulher. Ela aceitou as 3 Crianças em sua vida. Entao tenho sangue Wamosy ( por parte da vó verdadeira e Faria Corre por parte do Pery)
ResponderExcluirSe alguem souber mais um pouco sobre essa historia o outros sobre Absayeg Wamosy, irmã de Alceu e minha vó de sangue. Entre em contato. marciofariacorrea@gmail.com
ResponderExcluirFala! Mestre, também gostaria de mais informações, se acaso alguma pessoa tiver, por favor informe o professor Marcio. obrigado.
ResponderExcluirGrato pelo apoio, mas não tive novidades. terei que buscar pessoalmente em Uruguaiana alguns fatos
ExcluirSimplesmente maravilhoso! Pena que sejamos poucos,num país com 200 milhões de pessoas, a gostar de poesia, de literatura.
ResponderExcluirMeu amigo leitor, sou só um colecionador de fatos literários e grande admirador dos grandes poetas de qualquer nacionalidade. Um deles é o grande Alceu Wamosy. Espero que consigas mais dados sobre o que procuras. Um abraço de Nilo da Silva Moraes.
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