sábado, 22 de setembro de 2018

A difícil conquista do Alto Uruguai

Barbosa Lessa*


Imagem antiga da cidade de Frederico Westphalen/RS
Wilson Aleixo Ferigollo
  
Última região histórica do Rio Grande do Sul foi conquistada por um exército de administradores. Implantada a República no Brasil em 1889, os governantes gaúchos preferiram adiar o empenho em remover os dois mais sérios entraves ao progresso rio-grandense. O primeiro era a modernização do porto de Rio Grande, necessitado de um canal de embarque e desembarque não mais condicionado a frágeis catraias conduzindo os navios por entre o labirinto de crescentes areais. O segundo consistia na ligação de Porto Alegre com a outra margem do Rio Guaíba, de modo a integrar a Capital ao polo de Pelotas e Rio Grande. Se houvesse dinheiro para obras tão portentosas, talvez faltasse tecnologia.

Por outro lado, não faltava tecnologia para construção de estradas de ferro. E não faltavam, na Europa e nos Estados Unidos, grupos econômicos-financeiros provavelmente interessados em obter a concessão da exploração dos serviços ferroviários. Foi dada então a partida para a epopeia da conquista do Alto Uruguai, tendo por longínquo chamariz o Salto do Tucumã. A região do Planalto foi o cenário desse esforço, a partir da recém-fundada colônia de Ijuí.

A estrada Southern Brazilian conseguiu levar seus trilhos de Bagé até Cacequi, assim propiciando a ligação da Campanha com a estação mater de Santa Maria. A Compagnie des Chemins de Fer Sud Ouest Brésilien repetiu a dose, interligando a estação mater com o Planalto, através de Vila Rica (hoje Júlio de Castilhos), Tupanciretã, Cruz Alta e Passo Fundo.

Não se entenda, porém, que Passo Fundo seria a estação terminal da conquista. Pelo contrário: tornar-se-ia o marco inicial. O engenheiro Marcelino Ramos, a serviço da Companhia União Industrial do Brasil, jurou que em breve estaria ligando Passo Fundo ao Alto Uruguai, ao Oeste catarinense, ao Sertão paranaense e outros tantos lugares. E saltou dentro do mato uma potência internacional, a Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil (subsidiária do sindicato multinacional Farquhar), como se dissesse: “Já que venci a concorrência para a construção das pontes e terminais da estrada Porto Alegre-Uruguaiana, dou uma mãozinha e vou construindo também esta ferrovia aqui ao norte do Planalto”.

Houve gente que começou trabalhando como operário no assentamento dos trilhos e terminou se assentando com lavouras à margem do avançante caminho. A estrada de ferro continuou avançando e foram lançadas as bases das necessárias estações. Os agricultores continuaram chegando das “colônias velhas” dos Vales e da Serra, entreverados com caboclos ervateiros. O agrimensor Severiano de Almeida preparou a sede para uma das maiores colônias, que se chamaria Paiol Grande (depois Boa Vista, finalmente Erechim). E não longe de Paiol Grande ele demarcaria a grande Fazenda Quatro Irmãos, destinada a judeus que estavam transmigrando da pioneira colônia Filipson, das bandas de Santa Maria.

Não havia perigo de se formarem bolsões étnicos, porque se incentivava sob todas as formas a miscigenação de alemães, italianos, poloneses, lusos, russos e quem mais quisesse pegar da enxada ou do instrumento artesanal.

Enquanto isso, respeitosamente, tratava-se de não atropelar os caingangues, os “bugres” em geral. Cerca de 2,8 mil remanescentes nativos foram encaminhados a reservas – só delas – em Nonoai, Palmeira e Serrinha, e se iniciou a implantação dos próximos toldos, de Guarita e Inhacorá.

O engenheiro Frederico Westphalen era o chefe da Diretoria de Terras e Colonização da Secretaria Estadual de Obras Públicas. Sozinho? Claro que não. No comando desse exército sem canhões estava um autêntico “marechal”, o engenheiro e humanista Carlos Torres Gonçalves, braço direito do presidente estadual Borges de Medeiros para as questões fundiárias. Ele exigiu que a cada família se desse um mínimo de 50 hectares e um máximo de 75 hectares. Planejou detalhadamente cada novo núcleo urbano, com estudo do relevo, reserva de área para crescimento, obras de saneamento, meios para que se evitem os inços da monocultura. Estavam “misturados” – tal como nas etnias – a erva-mate e o milho, a farinha de milho e a madeira bruta, o trigo e a madeira trabalhada, a farinha de trigo e a banha refinada, a alfafa e a serraria – sem falar da boia para o gasto. Se algum produto caía na cotação do mercado, havia outros para tirar o colono na garupa.

Gonçalves escreveu no Relatório das Obras Públicas de 1918: “A retirada de colonos deste para outros Estados é um fenômeno previsto, o mais tardar, para quando se esgotarem as terras devolutas de domínio público”. O futuro levaria prosperidade e união à região, a partir da soberba ponte metálica que interliga Marcelino Ramos e Porto União às novas “querências gaúchas” do Oeste catarinense, do Oeste paranaense, de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa é a explicação histórica dos tantos CTGs que hoje fervem por aquelas bandas.

(Do jornal Zero Hora, de novembro de 1997)

* Escritor, compositor e folclorista.


Luiz Carlos Barbosa Lessa (Piratini, 13 de dezembro de 1929Camaquã, 11 de março de 2002) foi um folclorista, escritor, músico, advogado e historiador brasileiro.



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