Barbosa Lessa*
Imagem antiga da
cidade de Frederico Westphalen/RS
Wilson Aleixo Ferigollo
Última região histórica do Rio Grande
do Sul foi conquistada por um exército de administradores. Implantada a República
no Brasil em 1889, os governantes gaúchos preferiram adiar o empenho em remover
os dois mais sérios entraves ao progresso rio-grandense. O primeiro era a
modernização do porto de Rio Grande, necessitado de um canal de embarque e
desembarque não mais condicionado a frágeis catraias conduzindo os navios por
entre o labirinto de crescentes areais. O segundo consistia na ligação de Porto
Alegre com a outra margem do Rio Guaíba, de modo a integrar a Capital ao polo
de Pelotas e Rio Grande. Se houvesse dinheiro para obras tão portentosas,
talvez faltasse tecnologia.
Por outro lado, não faltava
tecnologia para construção de estradas de ferro. E não faltavam, na Europa e
nos Estados Unidos, grupos econômicos-financeiros provavelmente interessados em
obter a concessão da exploração dos serviços ferroviários. Foi dada então a
partida para a epopeia da conquista do Alto Uruguai, tendo por longínquo
chamariz o Salto do Tucumã. A região do Planalto foi o cenário desse esforço, a
partir da recém-fundada colônia de Ijuí.
A estrada Southern Brazilian
conseguiu levar seus trilhos de Bagé até Cacequi, assim propiciando a ligação
da Campanha com a estação mater de
Santa Maria. A Compagnie des Chemins de Fer Sud Ouest Brésilien repetiu a dose,
interligando a estação mater com o
Planalto, através de Vila Rica (hoje Júlio de Castilhos), Tupanciretã, Cruz
Alta e Passo Fundo.
Não se entenda, porém, que Passo
Fundo seria a estação terminal da conquista. Pelo contrário: tornar-se-ia o
marco inicial. O engenheiro Marcelino Ramos, a serviço da Companhia União
Industrial do Brasil, jurou que em breve estaria ligando Passo Fundo ao Alto
Uruguai, ao Oeste catarinense, ao Sertão paranaense e outros tantos lugares. E
saltou dentro do mato uma potência internacional, a Compagnie Auxiliaire de
Chemins de Fer au Brésil (subsidiária do sindicato multinacional Farquhar),
como se dissesse: “Já que venci a concorrência para a construção das pontes e
terminais da estrada Porto Alegre-Uruguaiana, dou uma mãozinha e vou
construindo também esta ferrovia aqui ao norte do Planalto”.
Houve gente que começou trabalhando
como operário no assentamento dos trilhos e terminou se assentando com lavouras
à margem do avançante caminho. A estrada de ferro continuou avançando e foram
lançadas as bases das necessárias estações. Os agricultores continuaram
chegando das “colônias velhas” dos Vales e da Serra, entreverados com caboclos
ervateiros. O agrimensor Severiano de Almeida preparou a sede para uma das
maiores colônias, que se chamaria Paiol Grande (depois Boa Vista, finalmente
Erechim). E não longe de Paiol Grande ele demarcaria a grande Fazenda Quatro
Irmãos, destinada a judeus que estavam transmigrando da pioneira colônia
Filipson, das bandas de Santa Maria.
Não havia perigo de se formarem bolsões
étnicos, porque se incentivava sob todas as formas a miscigenação de alemães,
italianos, poloneses, lusos, russos e quem mais quisesse pegar da enxada ou do
instrumento artesanal.
Enquanto isso, respeitosamente,
tratava-se de não atropelar os caingangues, os “bugres” em geral. Cerca de 2,8
mil remanescentes nativos foram encaminhados a reservas – só delas – em Nonoai,
Palmeira e Serrinha, e se iniciou a implantação dos próximos toldos, de Guarita
e Inhacorá.
O engenheiro Frederico Westphalen era
o chefe da Diretoria de Terras e Colonização da Secretaria Estadual de Obras
Públicas. Sozinho? Claro que não. No comando desse exército sem canhões estava
um autêntico “marechal”, o engenheiro e humanista Carlos Torres Gonçalves,
braço direito do presidente estadual Borges de Medeiros para as questões
fundiárias. Ele exigiu que a cada família se desse um mínimo de 50 hectares e um máximo
de 75 hectares .
Planejou detalhadamente cada novo núcleo urbano, com estudo do relevo, reserva
de área para crescimento, obras de saneamento, meios para que se evitem os
inços da monocultura. Estavam “misturados” – tal como nas etnias – a erva-mate
e o milho, a farinha de milho e a madeira bruta, o trigo e a madeira trabalhada,
a farinha de trigo e a banha refinada, a alfafa e a serraria – sem falar da
boia para o gasto. Se algum produto caía na cotação do mercado, havia outros
para tirar o colono na garupa.
Gonçalves escreveu no Relatório das
Obras Públicas de 1918: “A retirada de colonos deste para outros Estados é um
fenômeno previsto, o mais tardar, para quando se esgotarem as terras devolutas
de domínio público”. O futuro levaria prosperidade e união à região, a partir
da soberba ponte metálica que interliga Marcelino Ramos e Porto União às novas
“querências gaúchas” do Oeste catarinense, do Oeste paranaense, de Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul. Essa é a explicação histórica dos tantos CTGs que hoje
fervem por aquelas bandas.
(Do jornal Zero Hora,
de novembro de 1997)
* Escritor, compositor e folclorista.
Luiz Carlos Barbosa Lessa (Piratini,
13 de
dezembro de 1929
− Camaquã,
11 de março
de 2002)
foi um folclorista,
escritor,
músico,
advogado
e historiador
brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário