segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Tatuagem



Tatuagem é uma canção escrita pelo cantor e compositor brasileiro Chico Buarque e pelo cineasta Ruy Guerra para a peça de ambos intitulada “Calabar: o Elogio da Traição”, escrita em 1973. A música Tatuagem revela o desejo que o sujeito tem de se dedicar profundamente a um outro. Entretanto o uso da tatuagem para a realização desse desejo pode revelar desejos não confessados. Uma vil forma de mostrar para o outro quem é o dono daquele corpo, o que estabelece uma forma de fidelidade entre as partes. Na música de Chico e tão bem interpretada por Bethânia, o caráter melancólico e fúnebre da letra revela algo que não se completou que não se consumiu pelo intenso desejo. Assim, mesmo havendo a consumação das partes o forte desejo não foi suprido e se exprime na melancolia e na produção da tatuagem na pele.

(Do Blog Clube de Leitura)

Tatuagem

Chico Buarque - Ruy Guerra/1972-1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem,
Que é pra te dar coragem,
Pra seguir viagem
Quando a noite vem.
E também pra me perpetuar em tua escrava,
Que você pega, esfrega, nega,
Mas não lava…

Quero brincar no teu corpo feito bailarina,
Que logo se alucina,
Salta e te ilumina
Quando a noite vem.
E nos músculos exaustos do teu braço,
Repousa frouxa, murcha, farta,
morta de cansaço…

Quero pesar feito cruz nas tuas costas,
Que te retalha em postas,
Mas no fundo gostas,
Quando a noite vem...

Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva,
Marcada a frio, ferro e fogo,
Em carne viva…

Corações de mãe,
Arpões, sereias e serpentes,
Que te rabiscam o corpo todo,
Mas não sentes…

Do Projeto 365 canções

Registrada no histórico disco Drama 3º ato (1973) - gravado ao vivo no Teatro da Praia, RJ, − “Tatuagem” apresenta todo o sentimento de um sujeito que quer se entranhar corpo adentro, do outro. O uso da tatuagem, como metáfora desta vontade, porém, esconde desejos inconfessos.

A tatuagem (como desenho permanente na pele, marcado a frio, a ferro e fogo) é também uma forma de mostrar aos outros quem é o 'dono' daquele corpo. A tatuagem estabelece uma relação de fidelidade entre os amantes. Porém, ao evocar a serpente, o sujeito indicia traições inconfessas.

Portanto, há um sedutor paradoxo quando o sujeito diz: “também pra me perpetuar em tua escrava”. No jogo/embate erótico (cruz nas tuas costas que te retalha em postas, mas no fundo gostas), afinal, quem é escravo de quem? Quem canta querer ser tatuagem ou quem é tatuado? Pouco importa.

É com estes pensamentos − de posse e de desejo absurdamente passionais − que a interpretação de Bethânia exibe a parte mais clara da alma do sujeito da canção. Bethânia toma para si o movimento serpenteante do sujeito na carne viva do outro.

Pétala por pétala, as rimas e as respirações (extremamente marcadas pela ênfase na consoante 'r') criam a imagem da bailarina brincando no corpo do outro.

“Tatuagem”, composta para a peça Calabar, de Chico Buarque e Ruy Guerra, na interpretação de Bethânia, em que cada letra é meticulosamente dita, cantada e ouvida, arrebata o ouvinte que, seduzido, se deixa tatuar.

A canção fica na memória da pele (como um canto de sereia, ou reduzido a um esconderijo tatuado) e, vira e mexe, em carne viva, nos lembra dos (des)domínios dos afetos.

Opiniões das mulheres:

Do que fala a música?

Adriana: “Fala da vontade de permanecer no corpo do ser amado, como tatuagem, seja ela bailarina, cruz, corações de mãe, arpões, sereias ou serpentes… e nunca mais sair: “que você pega, esfrega, nega, mas não lava…”

Raquel: “Fala do quanto a mulher quer se sentir importante na vida de um homem, ao passo de querer se comparar como uma tatuagem, uma cicatriz que deixam marcas eternas, pois mesmo tentando apagá-las, elas estão ali, mesmo que de forma diferente, meio apagadas, elas sempre vão estar ali…no fundo do coração do homem amado.”

Kássia: “Com maestria, Chico, o maior compositor brasileiro de músicas com o “eu feminino”, fala de uma relação de devoção, desejo e paixão de uma mulher…

Bruna: A canção foi escrita pela perspectiva de uma mulher que está loucamente apaixonada por seu namorado. Ela descreve esta paixão dizendo que quer se fixar no corpo dele “feito tatuagem”, se perpetuando em sua escrava.

P.S. Escute, na internet, essa música nas vozes de Chico Buarque ou de Elis Regina.

A gravação com Chico Buarque, está correta com a letra cantada pelo próprio autor. A gravação com a cantora Elis Regina, apesar de pequenas alterações quanto alguns pronomes que não existem na letra original, tem mais densidade dramática na interpretação na voz de uma grande cantora.

O contexto da canção na peça Calabar: O Elogio da Traição

Bárbara era como se fosse uma parte de Calabar, estava junto a ele. Quando Calabar morreu Bárbara se mostrou questionadora e tornou-se uma das principais vozes da peça. Ao tentar buscar justificativas para morte de seu amante, não deixou que a privassem em sua fala, fez questão de acusar e desmascarar homens que eram chamados de heróis, fez de sua fala seu protesto. A canção “Cala a boca Bárbara” evidencia bem essa questão, o que ela dizia era algo para ser calado. Bárbara parecia amar Calabar e jamais querer outro homem em sua vida, dizia que ele era uma marca permanente, que não seria esquecida e ela ficaria com ele eternamente, como é possível perceber na canção “Tatuagem”, que é cantada enquanto se desenrola as cenas da execução de Calabar:

Bárbara queria estar com Calabar para sempre, como tatuagem e cicatriz em seu corpo. Ao olhar por essa perspectiva, o amor de Bárbara se torna indubitável. Não há como duvidar do amor de Bárbara, que tem necessidade de se perpetuar mesmo depois da morte de Calabar. Por seu amante ela não tem medo de enfrentar os outros, de dizer verdades que estavam encobertas, de escancarar o que não estava às vistas.

A traição nas canções do musical Calabar
Miriane Pereira Dayrell Souto



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