“O burro falante”
Um fazendeiro vai à feira comprar um
burro. Um cigano lhe oferece um burro que fala. Custa uma verdadeira fortuna,
mas o fazendeiro nem hesita, leva-o para casa. O burro, porém, não abre a boca
para dizer coisa alguma. Desgostoso, o dono resolve devolvê-lo ao cigano.
No caminho, encontra uma cobra. “Vou
jogar na cobra”, diz ele, pensando em ficar rico no jogo do bicho. É então que
o burro começa a falar e o aconselha a jogar no coelho. O fazendeiro,
deslumbrado, aposta tudo o que tem no coelho. Mas dá é cobra mesmo. O homem
fica furioso e o burro, despeitado: “Já faço muito em falar. Ainda queria
que eu acertasse o bicho?”.
“Mania de trocar”
Um roceiro, irritado porque a seleção
do Brasil empata um jogo na Copa do Mundo, põe culpa no rádio e resolve
trocá-lo por um burro. Mas o burro é muito burro e ele o troca por um pato que bota
moedas de ouro; ou melhor, botou uma vez só e nunca mais.
Vai, de novo, o roceiro fazer suas
trocas: o pato por uma viola, a viola por um cavalo e finalmente o cavalo
por... um rádio. O seu velho rádio de volta! Mas, esperem: acabam de anunciar que
um novo jogo vai começar...
A moça triste
e o picareta
Lá por 1915, na terceira classe de um
navio de emigrantes para a América do Sul, um russo, Bogoloff, tentou flertar
com uma judia, Irma. Irma tinha olhos negros, sonhadores. Contemplando a linha
do horizonte, perguntou-lhe:
- Posso
saber para onde a senhorita se dirige?
- Buenos Aires. Quando
estiver um pouco estragada, irei para o Rio de Janeiro.
No Rio, começavam a desembarcar os
passageiros, pela ordem das classes, quando Bogoloff foi chamado por um
oficial:
- Como
se chama?
O intérprete traduziu. Bogoloff
respondeu em francês que não entendera. O intérprete - um tipo alto, magro, com
uma pequena barbicha alourada - se zangou:
- Você
não é russo, como não compreende russo?
Irma, que sabia francês, ajudou. O funcionário pediu que escrevesse.
- Gregory Petrovich Bogoloff.
Espiou o papel e perguntou de surpresa:
- Sua profissão?
- Professor.
O homem pareceu não se conformar.
- Você não é cafetão?
- Por quê? - fez o russo, indignado.
- Estes nomes em
"ich", em "off", em "sky", quase todos são de
cafetões. Não falha. Cafetão ou anarquista.
Bogoloff negou com veemência. Foi
liberado. Meses depois, um cabo-eleitoral apresentou Bogoloff ao senador
Sofônias, que tinha um olhar vidrado de agonizante. Recebeu prazenteiro o
russo, como todo brasileiro a quem se solicita alguma coisa. Deu uma carta de
apresentação para Xandu, ministro da Agricultura, que o recebeu prontamente:
- Ah, a sua Rússia! O que
falta ao Brasil é o frio. Tenho em casa uma câmara frigorífica, oito graus
abaixo de zero, onde me meto todas as manhãs. O frio é o elemento essencial às
civilizações. Penso em instalar grandes câmaras frigoríficas nas escolas, para
dar atividade aos nossos rapazes. Mas, enfim, quais são suas ideias?
- São simples. Por meio de
alimentação adequada, consigo porcos do tamanho de bois e bois do tamanho de
elefantes.
- Mas
como?
- O grande químico inglês Wells já escreveu algo a respeito. Conhece?
- Magnífico! E o tempo de crescimento?
- O comum. E ainda consigo a completa extinção dos ossos.
- Completa?
- Isto é, quase completa.
Bogoloff enrolou Sua Excelência um pouco mais:
- Estudei um método de
criar peixes em seco.
Procedo artificialmente, isto é, provoco o organismo do peixe
a criar para a sua célula um meio salino e térmico igual àquele em que se
desenvolveu a vida no mar. Voltou para casa, certo de que continuaria a
procurar emprego. Dia seguinte, ao abrir os jornais, fora nomeado diretor da Pecuária
Nacional.
E Irma? Não
sabemos dela.
E quem é Joel Rufino dos Santos
Joel Rufino dos Santos (Rio de Janeiro-1941 – Rio de Janeiro 4 de
setembro de 2015) foi um historiador, professor e escritor brasileiro. É
um dos nomes de referência sobre cultura
africana no país.
Nascido no bairro de Cascadura, cresceu
apreciando a leitura de histórias em quadrinhos. Já adulto, foi exilado
por suas ideias políticas contrárias à ditadura militar então em
vigor no país. Morou algum tempo na Bolívia, sendo detido
quando de seu retorno ao Brasil (1973).
Doutor em Comunicação
e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde lecionou Literatura, como escritor
tem extensa obra publicada: livros infantis, didáticos, paradidáticos e outros.
Trabalhou como colaborador nas minisséries Abolição, de Walter Avancini,
transmitida pela TV Globo (22 a
25 de novembro de 1988)
e República (de 14 a 17 de novembro de 1989). Além disso, já
ganhou diversas vezes o Prêmio Jabuti de literatura, que é o mais importante no
país.
Joel Rufino dos Santos é historiador
e é o único professor negro de pós-graduação em Ciências Humanas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Aos 70 anos não só é integrante do
corpo docente da Universidade Federal, mas diretor de Comunicação do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, autor de literatura infantil e
educador. Membro respeitado da comunidade negra do país dedicou sua experiência
e competência para desenvolver material didático adequado tanto para estudantes
negros e pobres quanto para aqueles que abandonaram a escola.
Atualmente, leciona Literatura
Brasileira e História da Comunicação nas faculdades de Letras e Escola de
Comunicação da UFRJ. Dentre seus mais de 50 livros publicados, está “Quando eu
voltei tive uma Surpresa”, que reúne cartas emocionantes, dele para seu filho,
do período em que ficou preso. Na área infanto-juvenil publicou “Uma estranha
aventura em talalai” (Prêmio Jaboti , da Câmara Brasileira do Livro), entre
outros. Foi ainda coordenador do Projeto da UNESCO “A Rota dos Escravos”. E
roteirista das minisséries de TV: “Zumbi – Rei de Palmares” (TV Educativa),
“Abolição” e “República” (TV Globo). Ex-presidente da Fundação Palmares, também
exerceu o cargo de subsecretário de educação do estado do Rio de Janeiro RJ. Em
1997, recebeu a Medalha de Honra “Rio Branco” do Itamaraty (órgão máximo da
diplomacia brasileira). Faleceu no Rio de Janeiro em 4 de setembro de 2015.
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