quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Pequenas histórias de Joel Rufino dos Santos



“O burro falante”

Um fazendeiro vai à feira comprar um burro. Um cigano lhe oferece um burro que fala. Custa uma verdadeira fortuna, mas o fazendeiro nem hesita, leva-o para casa. O burro, porém, não abre a boca para dizer coisa alguma. Desgostoso, o dono resolve devolvê-lo ao cigano.

No caminho, encontra uma cobra. “Vou jogar na cobra”, diz ele, pensando em ficar rico no jogo do bicho. É então que o burro começa a falar e o aconselha a jogar no coelho. O fazendeiro, deslumbrado, aposta tudo o que tem no coelho. Mas dá é cobra mesmo. O homem fica furioso e o burro, despeitado: “Já faço muito em falar. Ainda queria que eu acertasse o bicho?”.

“Mania de trocar”

Um roceiro, irritado porque a seleção do Brasil empata um jogo na Copa do Mundo, põe culpa no rádio e resolve trocá-lo por um burro. Mas o burro é muito burro e ele o troca por um pato que bota moedas de ouro; ou melhor, botou uma vez só e nunca mais.

Vai, de novo, o roceiro fazer suas trocas: o pato por uma viola, a viola por um cavalo e finalmente o cavalo por... um rádio. O seu velho rádio de volta! Mas, esperem: acabam de anunciar que um novo jogo vai começar...

A moça triste e o picareta


Lá por 1915, na terceira classe de um navio de emigrantes para a América do Sul, um russo, Bogoloff, tentou flertar com uma judia, Irma. Irma tinha olhos negros, sonhadores. Contemplando a linha do horizonte, perguntou-lhe:

- Posso saber para onde a senhorita se dirige? 

- Buenos Aires. Quando estiver um pouco estragada, irei para o Rio de Janeiro.

No Rio, começavam a desembarcar os passageiros, pela ordem das classes, quando Bogoloff foi chamado por um oficial:

- Como se chama?

O intérprete traduziu. Bogoloff respondeu em francês que não entendera. O intérprete - um tipo alto, magro, com uma pequena barbicha alourada - se zangou:

- Você não é russo, como não compreende russo? 

Irma, que sabia francês, ajudou. O funcionário pediu que escrevesse. 

- Gregory Petrovich Bogoloff. 

Espiou o papel e perguntou de surpresa: 

- Sua profissão? 

- Professor. 

O homem pareceu não se conformar. 

- Você não é cafetão? 

- Por quê? - fez o russo, indignado.

- Estes nomes em "ich", em "off", em "sky", quase todos são de cafetões. Não falha. Cafetão ou anarquista.

Bogoloff negou com veemência. Foi liberado. Meses depois, um cabo-eleitoral apresentou Bogoloff ao senador Sofônias, que tinha um olhar vidrado de agonizante. Recebeu prazenteiro o russo, como todo brasileiro a quem se solicita alguma coisa. Deu uma carta de apresentação para Xandu, ministro da Agricultura, que o recebeu prontamente:

- Ah, a sua Rússia! O que falta ao Brasil é o frio. Tenho em casa uma câmara frigorífica, oito graus abaixo de zero, onde me meto todas as manhãs. O frio é o elemento essencial às civilizações. Penso em instalar grandes câmaras frigoríficas nas escolas, para dar atividade aos nossos rapazes. Mas, enfim, quais são suas ideias?

- São simples. Por meio de alimentação adequada, consigo porcos do tamanho de bois e bois do tamanho de elefantes.

- Mas como? 

- O grande químico inglês Wells já escreveu algo a respeito. Conhece? 

- Magnífico! E o tempo de crescimento? 

- O comum. E ainda consigo a completa extinção dos ossos. 

- Completa?

- Isto é, quase completa.

Bogoloff enrolou Sua Excelência um pouco mais:

- Estudei um método de criar peixes em seco. Procedo artificialmente, isto é, provoco o organismo do peixe a criar para a sua célula um meio salino e térmico igual àquele em que se desenvolveu a vida no mar. Voltou para casa, certo de que continuaria a procurar emprego. Dia seguinte, ao abrir os jornais, fora nomeado diretor da Pecuária Nacional.

E Irma? Não sabemos dela. 

E quem é Joel Rufino dos Santos


Joel Rufino dos Santos (Rio de Janeiro-1941 – Rio de Janeiro 4 de setembro de 2015) foi um historiador, professor e escritor brasileiro. É um dos nomes de referência sobre cultura africana no país.

Nascido no bairro de Cascadura, cresceu apreciando a leitura de histórias em quadrinhos. Já adulto, foi exilado por suas ideias políticas contrárias à ditadura militar então em vigor no país. Morou algum tempo na Bolívia, sendo detido quando de seu retorno ao Brasil (1973).

Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde lecionou Literatura, como escritor tem extensa obra publicada: livros infantis, didáticos, paradidáticos e outros. Trabalhou como colaborador nas minisséries Abolição, de Walter Avancini, transmitida pela TV Globo (22 a 25 de novembro de 1988) e República (de 14 a 17 de novembro de 1989). Além disso, já ganhou diversas vezes o Prêmio Jabuti de literatura, que é o mais importante no país.

Joel Rufino dos Santos é historiador e é o único professor negro de pós-graduação em Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Aos 70 anos não só é integrante do corpo docente da Universidade Federal, mas diretor de Comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, autor de literatura infantil e educador. Membro respeitado da comunidade negra do país dedicou sua experiência e competência para desenvolver material didático adequado tanto para estudantes negros e pobres quanto para aqueles que abandonaram a escola.

Atualmente, leciona Literatura Brasileira e História da Comunicação nas faculdades de Letras e Escola de Comunicação da UFRJ. Dentre seus mais de 50 livros publicados, está “Quando eu voltei tive uma Surpresa”, que reúne cartas emocionantes, dele para seu filho, do período em que ficou preso. Na área infanto-juvenil publicou “Uma estranha aventura em talalai” (Prêmio Jaboti , da Câmara Brasileira do Livro), entre outros. Foi ainda coordenador do Projeto da UNESCO “A Rota dos Escravos”. E roteirista das minisséries de TV: “Zumbi – Rei de Palmares” (TV Educativa), “Abolição” e “República” (TV Globo). Ex-presidente da Fundação Palmares, também exerceu o cargo de subsecretário de educação do estado do Rio de Janeiro RJ. Em 1997, recebeu a Medalha de Honra “Rio Branco” do Itamaraty (órgão máximo da diplomacia brasileira). Faleceu no Rio de Janeiro em 4 de setembro de 2015.


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