O texto do avô da Carolina
Esse texto foi escrito a pedido da
minha neta e afilhada, Carolina, estudante em Santa Catarina , por
exigência da sua Professora. Alguém da família deveria escrever uma pequena história,
para ser lida em aula, e o avô da Carolina foi o escolhido para essa missão...
Há muitos anos, na cidade de São
Francisco de Paula (RS), como de resto em todo o País, vivia-se uma época
romântica. A música popular brasileira primava pela melodia e pela sonoridade,
portanto muito diferente da que se ouve hoje em dia. Ouviam-se , em
todo o País, pelas ondas médias e curtas da Rádio Nacional, as belas vozes de
Orlando Silva, “O Cantor das Multidões”, de Francisco Alves, “O Rei da Voz” e
de Sílvio Caldas, “O Caboclinho Querido”. Suas interpretações eram muito
apreciadas e muito aplaudidas.
Havia, também, excelentes cantoras, entre as
mais famosas, salientavam-se as irmãs: Linda e Dircinha Batista; Nora Ney,
Emilinha Borba e Aracy de Almeida. Naquela cidade serrana, onde nasceu e também
foi músico da Banda Municipal, o famoso Médico e Cientista Dr. Eliseu Paglioli.
Nós, embora muito jovem, tipógrafo por profissão, figurávamos, modéstia à
parte, entre os notívagos daqueles remotos tempos. E, acompanhando-nos ao violão-tenor,
convertemo-nos em “Seresteiro”. Para quem não sabe, dizemos que as Serenatas
ocorriam, à noite; de preferência naquelas enluaradas.
Quase sempre, atendendo a pedidos
femininos, junto com poucos e escolhidos amigos, por volta da meia-noite,
orientávamos nossos passos para os endereços, antecipadamente, designados,
aonde chegávamos, pé-ante-pé, silenciosamente. Então, com o violão
rigorosamente afinado, enquanto um amigo e acompanhante soprava, por sob a porta,
um pequeno pedaço de papel, contendo o nome da homenageada, com acordes, quase
sempre em tom menor, iniciávamos a Serenata, mais ou menos assim: Com um rápido
sinal de luz, provindo do interior da casa visitada, sentia-nos gratificados,
pois aquele era o código discreto, silencioso e luminoso da homenageada. Traduzia-se
como se ela dissesse: “Estou emocionada. Adorei essa Serenata maravilhosa.
Muitíssimo obrigada por terem escolhido meu endereço”.
Mas, também, naqueles saudosos
tempos, às vezes, coisas imprevisíveis aconteciam. Certa vez, numa incomparável
noite de lua cheia, dirigimo-nos para o bairro chamado “Rincão”, zona leste
daquela cidade serrana, há poucas quadras do belo Lago São Bernardo, para mais
uma Serenata. Silenciosa, e, vagarosamente, aproximamo-nos da porta da casa. Pela
frincha de uma janela lateral, estranhamos a existência de uma fraca luz, no
interior da residência. Sem desconfiar de nada, apoiamos o pé esquerdo na
soleira da porta e o violão junto ao peito. E, no exato momento em que iniciávamos
os acordes de mais uma das solicitadas Serenatas, alguém abriu a janela da sala
e gritou:
-
Para! Para! Para!
E a gente
perguntou:
- Por
quê? Por quê?Tem gente doente?
E a
resposta veio incontinenti:
- Não! Não tem doente! Tem
velório!
Nós não sabíamos que, às primeiras
horas da tarde daquele dia, vítima de enfarto, havia morrido, repentinamente,
um membro da família, que ali, morava. E, naquele exato momento, estava sendo
velado...
Completamente frustrado pelo ocorrido! Perdemos a voz! Emudecemos, paradoxal
e literalmente falando! Desafinamos o violão e nos retiremos em silêncio...
Porto Alegre, 1° de
março de 2010.
Jair Teixeira
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