segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Serestas e Seresteiros


O texto do avô da Carolina

Esse texto foi escrito a pedido da minha neta e afilhada, Carolina, estudante em Santa Catarina, por exigência da sua Professora. Alguém da família deveria escrever uma pequena história, para ser lida em aula, e o avô da Carolina foi  o escolhido para essa missão...


Há muitos anos, na cidade de São Francisco de Paula (RS), como de resto em todo o País, vivia-se uma época romântica. A música popular brasileira primava pela melodia e pela sonoridade, portanto muito diferente da que se ouve hoje em dia. Ouviam-se, em todo o País, pelas ondas médias e curtas da Rádio Nacional, as belas vozes de Orlando Silva, “O Cantor das Multidões”, de Francisco Alves, “O Rei da Voz” e de Sílvio Caldas, “O Caboclinho Querido”. Suas interpretações eram muito apreciadas e muito aplaudidas.

Havia, também, excelentes cantoras, entre as mais famosas, salientavam-se as irmãs: Linda e Dircinha Batista; Nora Ney, Emilinha Borba e Aracy de Almeida. Naquela cidade serrana, onde nasceu e também foi músico da Banda Municipal, o famoso Médico e Cientista Dr. Eliseu Paglioli. Nós, embora muito jovem, tipógrafo por profissão, figurávamos, modéstia à parte, entre os notívagos daqueles remotos tempos. E, acompanhando-nos ao violão-tenor, convertemo-nos em “Seresteiro”. Para quem não sabe, dizemos que as Serenatas ocorriam, à noite; de preferência naquelas enluaradas.

Quase sempre, atendendo a pedidos femininos, junto com poucos e escolhidos amigos, por volta da meia-noite, orientávamos nossos passos para os endereços, antecipadamente, designados, aonde chegávamos, pé-ante-pé, silenciosamente. Então, com o violão rigorosamente afinado, enquanto um amigo e acompanhante soprava, por sob a porta, um pequeno pedaço de papel, contendo o nome da homenageada, com acordes, quase sempre em tom menor, iniciávamos a Serenata, mais ou menos assim: Com um rápido sinal de luz, provindo do interior da casa visitada, sentia-nos gratificados, pois aquele era o código discreto, silencioso e luminoso da homenageada. Traduzia-se como se ela dissesse: “Estou emocionada. Adorei essa Serenata maravilhosa. Muitíssimo obrigada por terem escolhido meu endereço”.

Mas, também, naqueles saudosos tempos, às vezes, coisas imprevisíveis aconteciam. Certa vez, numa incomparável noite de lua cheia, dirigimo-nos para o bairro chamado “Rincão”, zona leste daquela cidade serrana, há poucas quadras do belo Lago São Bernardo, para mais uma Serenata. Silenciosa, e, vagarosamente, aproximamo-nos da porta da casa. Pela frincha de uma janela lateral, estranhamos a existência de uma fraca luz, no interior da residência. Sem desconfiar de nada, apoiamos o pé esquerdo na soleira da porta e o violão junto ao peito. E, no exato momento em que iniciávamos os acordes de mais uma das solicitadas Serenatas, alguém abriu a janela da sala e gritou:

- Para! Para! Para!

E a gente perguntou:

- Por quê? Por quê?Tem gente doente?

E a resposta veio incontinenti:

- Não! Não tem doente! Tem velório!

Nós não sabíamos que, às primeiras horas da tarde daquele dia, vítima de enfarto, havia morrido, repentinamente, um membro da família, que ali, morava. E, naquele exato momento, estava sendo velado...

Completamente frustrado pelo ocorrido! Perdemos a voz! Emudecemos, paradoxal e literalmente falando! Desafinamos o violão e nos retiremos em silêncio...

Porto Alegre, 1° de março de 2010.
Jair Teixeira


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