Namoro de Escarrinho
No século 16, as práticas amorosas
eram cercadas de rígidas regras de conduta. O amor era visto como algo
pecaminoso em Portugal e no Brasil. Acreditava-se que amar demais poderia
causar doenças e mal-estares. Um escritor da época fez uma lista dos sintomas:
“tristezas, suspiros, lágrimas sem motivo, síncopes, opressões, melancolias e
raivas”. Até tratados sobre comportamentos eram escritos, como a Carta de Guia de Casados, de 1651. Para
vencer essa vigília constante, situações e recursos dos mais variados eram
usados a fim de iniciar um relacionamento. Alguns se submetiam a práticas pouco
ortodoxas para chamar a atenção de seu objeto de desejo.
Já nos idos de 1700, os enamorados
procuravam com frequência as igrejas. As cidades, muito pequenas, dificultavam
a privacidade dos casais. Os flertes, então, ocorriam nas missas, um dos únicos
eventos a que as mulheres podiam ir. Os rapazes lançavam olhares furtivos,
risos e acenos desviando a atenção das moças e incitando a ira dos padres. As
procissões e festas religiosas eram propícias para o início dos romances. Como
na Quita-Feira Santa, na qual rapazes e moças esperavam o apagar das velas da
igreja para se aproximar. No escurinho, trocavam beliscões e pisadelas como
forma de afeto.
Para conseguir um bom par valia
tudo: as cartas de amor eram recheadas de escritos carinhosos, com “benzinho da
minh´alma”. Poemas, mimos e promessas de casamento eram recursos largamente
utilizados. Alguns itens curiosos, como acessórios de cozinha, laranja e
palmitos, serviam de presentes. Para burlar a vigilância dos pais, recorria-se a
moleques de recado que marcavam encontros às escondidas.
Algumas técnicas mais radicais hoje
soariam descabidas: feitiçaria, magias e pactos com o demônio não raro
aconteciam. Bruxas especialistas nas práticas alcoviteiras eram largamente
procuradas. Elas faziam as “cartas de tocar”, papeis escritos contendo o nome
da pessoa que seduziam ao simples toque.
Também Deus era útil para se
conquistar um par: repetir durante o ato sexual as palavras em latim que o
padre dizia na missa teria o efeito de “prender” a pessoa perto de si.
No “namoro de bufarinheiro”, o
pretendente agindo como bufarinheiro (mascate), aproveitava as procissões e
passava pela janela da moça, distribuindo espertas piscadelas e gestos com as
mãos e boca.
Outra prática comum era o “namoro de
escarrinho”, no qual o galanteador se colocava sob a janela e começava a
fungar, como se estivesse resfriado. Caso a moça respondesse com o mesmo gesto,
dava-se início a um ritual pouco higiênico de conquista, regado a tossidas
forçadas, narizes assoados e cuspidas no chão. Ninguém proferia uma única
palavra.
(Do livro História do
Amor no Brasil, de Mary Del Priore)
de Elifas Andreato e
João Rocha Rodrigues
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