quarta-feira, 1 de maio de 2024

Rio

 Propriedade de todos os brasileiros

Na próxima vez que vier ao Rio, faça um favor a si mesmo. Acorde cedo, pule da cama e, se o azul do céu for daqueles de soneto (ou mesmo com a leve bruma que adora abraçar a cidade), dê um jeito de colocar-se por volta das oito da manhã no Posto 6, em Copacabana, diante do clube Marimbás. Você terá o mar à sua frente, a orla branca e, no fim dela, o Pão de Açúcar, à sua esquerda; ao longe, por trás dele, desdobrando-se em cadeias, montanhas e montanhas, uma atrás das outras, e, quando você pensa que elas acabaram, um último esforço ainda o levará a ver mais algumas. Mais horizonte do que isso deve ser proibido por lei, mas, ali, é como se ele não tivesse fim. 

Com esse deslumbre diário à sua disposição e ao preço de um olhar, pode-se entender por que a figura do carioca depressivo é não apenas uma realidade, mas uma contradição em termos. 

Foi por essa e outras que, em fins dos anos 1980, Tom Jobim começou a trocar suas longas temporadas de trabalho em Nova York pelo expediente diário com os amigos em sua mesa na churrascaria Plataforma ou, aos sábados, no botequim Arataca, na Cobal, ambos no Leblon. Ao vê-lo, alguém lhe perguntou se tinha voltado de vez para o Rio. “Como voltar”, ele disse, “se eu nunca saí daqui?” 

E não estava mentido. Mesmo quando passava semanas ou meses no enorme apartamento que comprara em Manhattan, defronte ao Central Park, o coração de Tom não saía da belíssima casa que construíra bem no alto do Jardim Botânico ‒ “debaixo do sovaco do Cristo”, como ele dizia, cercado por uma asfixiante quantidade de verde. De sua piscina, tinha uma vista em cinerama para a lagoa Rodrigo de Freitas, o próprio Jardim Botânico, o maciço da Tijuca, as praias do Arpoador, de Ipanema e do Leblon, o morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea. A seus pés, estava o mais lindo cenário natural do mundo, entre os pertencentes a uma metrópole. “Eu não moro no Rio. Eu namoro o Rio”, disse certa vez. 

(...)

(Do livro “Terra Mar E Ar”, de Ruy Castro e Heloisa Seixas)

Tom Jobim e a vista de sua casa

A estátua de Tom Jobim em Ipanema, Rio de Janeiro.


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