domingo, 26 de maio de 2024

Uma noite à luz de vela

 

Encontrei uma pessoa que me confessou que a sua família, uma vez por semana, passa uma noite à luz da vela. 

Tudo começou num dia em que a eletricidade faltou. Nessa noite não houve televisão, nem rádio, nem computador. Pais e filhos ficaram juntos em redor de uma vela acesa. O serão foi divertidíssimo, conversou-se, contaram-se histórias e o tempo passou serenamente. A experiência agradou e a família, a partir desse dia decidiu passar uma vez por semana, a noite à luz da vela. 

Atualmente, durante o dia, se retiramos o tempo de sono, as famílias dispõem pouco mais de três a quatro horas para estarem juntas. Habitualmente o (des)encontro tem início ao jantar. As refeições são feitas de televisão ligada para se ver as notícias. Este momento de partilha por excelência, é assim desperdiçado: a televisão intromete-se, como se de um muro se tratasse. A seguir ao jantar, enquanto os mais novos se isolam no quarto a ouvir música, a jogar no computador ou a navegar na Internet, os pais continuam hipnotizados pelo televisor, distraindo-se com a novela ou com o reality show do momento. O tempo passa e, sem darem conta, às quatro horas foram consumidas num ápice. No outro dia, a rotina repete-se. 

Para existir intimidade entre as pessoas é indispensável que haja partilha. É importante revelar os pequenos acontecimentos que ocorreram durante o dia. Os momentos bons, os maus, as dúvidas, os desejos, as frustrações, enfim..., é preciso partilhar. De que outra forma é que nos podemos conhecer uns aos outros? Se perdermos este hábito como é que os pais podem acompanhar o que se passa com os filhos? E o casal, como é que pode ter intimidade se não existir diálogo? No dias de hoje não se discutem em casa os vários assuntos da atualidade; assistimos na televisão aos debates que os outros fazem por nós. As crianças têm cada vez mais menos espaço para a imaginação. Não brincam de policiais e ladrões, ou de príncipe e princesas, preferem jogar em frente a uma tela um jogo que alguém imaginou para eles. Os adolescentes não procuram pedir aos pais opiniões e conselhos, em vez disso pesquisam na Internet. Acaba por ser mais cômodo para os pais, porque assim, pelo menos não os aborrecem com perguntas difíceis. 

Se refletirmos um pouco, percebemos que vivemos numa sociedade de consumo que procura a todo o custo apoderar-se do nosso tempo livre e captar a nossa atenção, apenas com um objetivo: obrigar-nos a consumir. É assustador o número cada vez maior de horas que os adultos, jovens e até as crianças passam por dia a ver televisão e em frente ao computador. O tempo acaba por ser destinado quase em exclusividade para satisfazer necessidades narcíseas já que a outra pessoa fica excluída. Ninguém tem dúvidas que isto tem conseqüências na relação entre pais e filhos. Mas, a relação entre o casal também fica atingida. Muitos casamentos acabam por definhar com o tempo, por que não há comunicação. O diálogo e a partilha são indispensáveis para que haja intimidade entre as pessoas. Há coisas que têm que ser ditas. Em alguns casos o silêncio pode ser corrosivo e devastador. 

Um casal que atravessava uma grave crise conjugal apresentou-se ao médico para tentar uma terapia de casal. Uma das queixas apresentadas pela mulher era que estava casada há trinta anos e o marido nunca lhe tinha dito, durante aquele tempo, que a amava. Por isso, ela sentia-se profundamente infeliz e insegura. O marido com alguma indiferença respondeu: Disse-lhe que a amava no dia do casamento, como não mudei de ideia, não vejo a necessidade de repetir. 

Prescrição médica: 

Uma noite por semana à luz de vela. 

Autor do texto: Pedro Afonso

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