sexta-feira, 8 de setembro de 2023

As 20 obras mais importantes da literatura brasileira

 Por Alexandre Kovacs*

Como costumava dizer Umberto Eco, “O mundo está cheio de livros fantásticos que ninguém lê”, uma afirmação adequada, principalmente quando falamos de clássicos da literatura. Geralmente, no caso de escritores brasileiros, somos forçados a uma avaliação burocrática na escola e acabamos adquirindo uma certa antipatia a determinado livro ou autor quando o objetivo deveria ser justamente o contrário. É surpreendente como uma segunda visita a essas obras, já em nossa maturidade, pode revelar um tesouro empoeirado e escondido, bem ali na nossa estante. Afinal, mudaram os livros ou mudamos nós? 

A limitação de apenas 20 indicações me forçou a deixar grandes autores de fora, tais como: Álvares de Azevedo, Antônio Calado, Augusto dos Anjos, Autran Dourado, Carlos Drummond de Andrade, Castro Alves, Cecília Meireles, Dias Gomes, Dalton Trevisan, Fernando Sabino, Gonçalves Dias, José de Alencar, José Lins do Rego, Monteiro Lobato e Murilo Mendes, para citar alguns (em ordem alfabética). É claro que, como toda lista, esta já nasce incompleta, mas é sempre uma boa desculpa para continuarmos falando de literatura. 

(01) Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) Machado de Assis (1839-1908)

Muitos críticos elegem Dom Casmurro como o romance definitivo de Machado de Assis, mas não consigo fugir ao charme irresistível do nosso defunto autor Brás Cubas, na minha opinião, não apenas um clássico brasileiro mas também universal com a sua famosa introdução: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas. O conceituado e polêmico crítico Harold Bloom faz o seguinte comentário: O livro é cômico, inteligente, evasivo, uma leitura prazerosa, oração após oração. O gênio de Machado nega qualquer páthos , ao mesmo tempo em que subverte todos os supostos valores e princípios, bem como a suposta moral. 

(02) O Cortiço (1890) Aluísio Azevedo (1857-1913)

Romance símbolo do movimento naturalista brasileiro que narra a ascensão social do comerciante português João Romão, dono de uma venda, uma pedreira e um cortiço. O livro é uma crítica às péssimas condições de vida e moradia de boa parte da população carioca no século XIX que vivia em cortiços como descrito por Aluísio Azevedo. Infelizmente a situação de exploração social e preconceito racial não mudou muito depois de mais de um século de história do Rio de Janeiro, muito pelo contrário. Ler uma seleção de textos do jornalista, romancista e diplomata Aluísio Azevedo no Site da Academia Brasileira de Letras (ABL). 

(03) Os Sertões (1902) Euclides da Cunha (1866-1909) 

O sertanejo é antes de tudo um forte, uma frase que ficou imortalizada por Euclides da Cunha no seu épico Os Sertões" e narra a saga dos rebeldes de Canudos, liderados pelo fanático Antônio Conselheiro. A linguagem euclidiana, ao mesmo tempo caudalosa e jornalística, barroca e científica, não tem similar na literatura nacional e também não pode ser enquadrada em qualquer estilo literário da época ou posterior. Uma definição mais aproximada de Os Sertões é a do crítico e ensaísta Afrânio Coutinho que definiu o livro como “obra de ficção, narrativa heroica epopeia em prosa, da família de Guerra e Paz, de Canção de Rolando, cujo antepassado mais ilustre é a Ilíada”. 

(04) Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) Lima Barreto (1881-1922) 

Afonso Henriques de Lima Barreto, o mais maldito de todos os escritores nacionais, nascido mulato no dia 13 de maio de 1881, órfão de mãe aos seis anos, somente no seu aniversário seguinte seria considerado um homem livre com a abolição da escravatura em 1888. Ficou conhecido na imprensa como cronista de costumes do Rio de Janeiro, onde colaborou em jornais e revistas. Este romance tem como base a história do major reformado Policarpo Quaresma, nacionalista radical que defende o Brasil e os valores da pátria que considera originais como a língua tupi. Um livro que, cem anos depois, ainda é muito atual por tratar da difícil questão da identidade nacional (ou falta de). 

(05) Macunaíma (1928) Mário de Andrade (1893-1945) 

Um ponto importante de inflexão da nossa literatura, e cultura de uma forma geral, foi marcado pela Semana de Arte Moderna em São Paulo no ano de 1922. Mário de Andrade, juntamente com Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade constituíram o movimento modernista. 

Macunaíma foi o seu maior romance, um herói sem nenhum caráter (anti-herói), é um índio que representa o povo brasileiro, mostrando a atração pela cidade grande de São Paulo. Segundo a regra de Domínio Público, os livros do autor modernista ficaram livres de direitos autorais em 2016, 70 anos após a sua morte. 

06) O Quinze (1930) Rachel de Queiroz (1910-2003) 

É surpreendente como Rachel de Queiroz escreveu o primeiro romance, que se transformou em um clássico do modernismo, com apenas 19 anos. Ela foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e também a primeira a receber o Prêmio Camões em 1993. O Quinze" tem como título uma referência à grande seca de 1915 no Ceará, vivenciada pela autora em sua infância. É uma obra importante não somente ao criticar os problemas de desigualdade social na Região Nordeste, mas um marco da emancipação da mulher. 

(07) Vidas Secas (1938) Graciliano Ramos (1892-1953) 

Uma definição perfeita para o estilo de Graciliano Ramos é a famosa citação do próprio: A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer. O autor de São Bernardo, Angústia e Vidas Secas sempre foi conhecido como homem ensimesmado e avesso a conversas, costumava declarar inclusive que não gostava de vizinhos. Vidas Secas tem como base a luta pela sobrevivência de uma família de retirantes e da cachorra Baleia. 

(08) Vestido de Noiva (1943) Nelson Rodrigues (1912-1980) 

Como dizia o velho Nelson, Toda unanimidade é burra, mas é difícil encontrar algum crítico que não considere esta como uma das maiores obras da dramaturgia brasileira. A peça é dividida em três planos: da alucinação, da memória e da realidade. O enredo tem como base a história de Alaíde, uma moça que é atropelada por um automóvel e, enquanto é operada no hospital, relembra a relação com a irmã (Lúcia), de quem tomou o namorado (Pedro), e sonha com um encontro com Madame Clessi, uma prostituta assassinada pelo namorado de dezessete anos. 

(09) Grande Sertão: Veredas (1956) Guimarães Rosa (1908-1967) 

A prosa caudalosa e mágica de João Guimarães Rosa, suas invenções e intervenções semânticas e o resgate da linguagem regional, todas essas características compõem ainda um fenômeno sem igual na literatura brasileira que imortalizaram o autor e sua obra mais importante:  Grande Sertão: Veredas. Quando o autor escreve sobre o inusitado amor do jagunço Riobaldo por Diadorim em pleno sertão brasileiro, acaba atingindo uma estatura universal e traduzindo o absurdo da condição humana em qualquer continente, tudo através da linguagem e literatura. 

(10) A Paixão Segundo G.H. (1964) Clarice Lispector (1920-1977) 

Deixo a palavra com Benjamin Moser em sua biografia sobre Clarice: Em sua ambição e excentricidade, em sua arrebatadora redefinição do que um romance pode ser, A Paixão Segundo G.H. lembra obras-primas peculiares como Moby Dick e Tristam Shandy (...) Pela primeira vez, Clarice escreve na primeira pessoa. E pela primeira vez ela capta a plena violência, a repugnância física, de seu encontro com Deus. Apenas para lembrar o tema do romance: Uma mulher, depois de demitir a empregada, tentar limpar seu quarto, relata a perda da individualidade após ter esmagado uma barata na porta de um guarda-roupa. Um livro enigmático e único, como a própria Clarice. 

(11) Morte e Vida Severina (1967) João Cabral de Melo Neto (1920-1999) 

O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto é complexo e ao mesmo tempo essencial, regional e universal, moderno no verdadeiro sentido da palavra. Como explicar essa poesia real, cortante e mineral. Poesia que pretende ser feita e lida sem paixão e acaba resultando em um texto transbordante de emoção. "Morte e Vida Severina" apresenta um poema dramático, que relata a dura trajetória de um retirante em busca de melhores condições de vida na capital pernambucana. 

(12) Antes do Baile Verde (1970) Lygia Fagundes Telles (1923-2022)

Seleção de dezoito contos escritos entre 1949 e 1969, hoje todos clássicos da literatura nacional que justificam porque Lygia Fagundes Telles foi agraciada com o Prêmio Camões 2005 e que merecem muito bem ser incluídos em qualquer antologia universal. A inspiração dos textos está na sensibilidade do olhar que revela os impasses da existência nas grandes cidades, a solidão compartilhada no desgaste dos casamentos falidos, o isolamento da vida em uma sociedade injusta e desigual ou a perda das ilusões na busca da felicidade a qualquer preço, enfim, todos os pequenos dramas anônimos da classe média. 

(13) Incidente em Antares (1970) Érico Veríssimo (1905-1975) 

Concordo que a escolha mais apropriada sobre a obra definitiva de Érico Veríssimo deveria ser a epopeia "O Tempo e o Vento", com base na história do Rio Grande do Sul, mas esta lista não deixa de ser pessoal e "Incidente em Antares", seu último romance, me marcou muito na adolescência. Lembro que foi minha primeira experiência com o estilo de "realismo fantástico" que viria a conhecer melhor ao ler os livros de Gabriel García Márquez. Na verdade, o romance é dividido em duas partes. Na primeira (real) são apresentadas as duas facções políticas da cidade de Antares (Campolargo e Vacariano) e o cenário político nacional. Na segunda (irreal) morrem sete pessoas, mas como os coveiros estão em greve, os defuntos passam a vagar pelas ruas, vasculhando a intimidade de parentes e amigos. 

(14) Tereza Batista Cansada de Guerra (1972)Jorge Amado (1912-2001) 

Tarefa ingrata escolher apenas um romance de Jorge Amado entre muitos clássicos: "Dona Flor e Seus Dois Maridos", "Tenda dos Milagres", "Tieta do Agreste", "Gabriela, Cravo e Canela" e tantos outros.  Novamente aqui o que prevaleceu foi a memória da minha adolescência, uma escolha mais emocional do que racional. A protagonista representa a força da mulher nordestina, órfã de pai e mãe, Tereza é criada por sua tia Filipa, que a vende para o Capitão Justiniano Duarte da Rosa, conhecido como Capitão Justo, que tinha predileção por adolescentes virgens, após passar por todo tipo de violência, ela mata o Capitão e conhece vários homens e muitos amores. 

(15) Feliz Ano Novo (1975) Rubem Fonseca (1925-2020) 

O mineiro (e carioca de coração) Rubem Fonseca ficou famoso pelo seu estilo urbano. "Feliz Ano Novo" é um livro de contos de extrema violência, tendo sido inclusive censurado e retirado de circulação após o seu lançamento com a alegação de que tratava de "matéria contrária à moral e aos bons costumes". Sem dúvida, a descrição meticulosa dos crimes e assassinatos ofendiam a moral e os bons costumes da sociedade, mas a censura e perseguição ao livro não resolveu em nada os problemas de desequilíbrio social do nosso país, muito pelo contrário, como podemos ainda hoje constatar. 

(16) Lavoura Arcaica (1975) Raduan Nassar (1935- ) 

O autor, que vivia recluso desde os anos 1980, tem participado bastante do noticiário nos últimos tempos, primeiramente por ter sido finalista do Man Booker International Prize em 2016 com a tradução de "Um Copo de Cólera", e ainda ao receber a premiação literária mais importante da língua portuguesa, o Prêmio Camões de literatura neste mesmo ano. "Lavoura Arcaica" narra em primeira pessoa a história de André, que se rebela contra as tradições agrárias e patriarcais impostas por seu pai e foge para a cidade, onde espera encontrar uma vida diferente da que vivia na fazenda com sua família. Ele é encontrado em uma pensão por seu irmão Pedro e passa a contar-lhe, de forma amarga, as razões de sua fuga e do conflito com o pai. 

(17) Poema Sujo (1976) Ferreira Gullar (1930-2016) 

Ensaísta, autor de contos e peças teatrais, romancista, intelectual e artista plástico de vanguarda, o poeta Ferreira Gullar sempre esteve um passo à frente em matéria de arte e cultura. Vencedor dos prêmios: Machado de Assis (2005) e Camões (2010), foi um integrante ativo do Partido Comunista Brasileiro e exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, Argentina e Chile. O "Poema Sujo" foi totalmente escrito no exílio e divulgado clandestinamente no Brasil onde obteve enorme sucesso de público e crítica. 

(18) Nova Antologia Poética (1981) Mário Quintana (1906-1994) 

Mário Quintana é o poeta bem-humorado que fala as coisas difíceis de maneira tão simples que entendemos porque ele nasceu em corpo de homem, mas era simplesmente um passarinho ("Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho, / Eles passarão... / Eu passarinho!") As citações mais lindas da nossa poesia: "Amar é mudar a alma de casa." - "As únicas coisas eternas são as nuvens..." - "A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos.". Quintana, até o nome do poeta era pura poesia. 

(19) Viva o Povo Brasileiro (1984) João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) 

O saudoso João Ubaldo resumiu bem o seu prêmio Camões em 2008. Ao comentar a escolha da organização ele não poderia ter sido mais direto: "Para ser sincero, eu não acho nada demais. Acho que ganhei porque mereço", disse, para em seguida completar: “Olha eu poderia dizer agora toda uma hemorragia verbal, dizendo o quanto estou surpreendido por ter ganho, mas não vou fazer isso. Eu ganhei porque eu mereci”. Na minha opinião, somente por “Viva o Povo Brasileiro”, que narra 400 anos de história da nação brasileira, formada por negros, índios, portugueses e holandeses, ele merecia mais do que um Prêmio Camões. 

(20) Inferno Provisório (Edição 2016) Luiz Ruffato (1961-)

Lançado originalmente em cinco volumes pela Editora Record: "Mamma, Son Tanto Felice" (2005), "O Mundo Inimigo" (2005), "Vista Parcial da Noite" (2006), "O Livro das Impossibilidades" (2008) e "Domingos sem Deus" (2011), a pentalogia foi reescrita e editada em um único volume em recente lançamento da Companhia das Letras. O romance, se é que podemos chamar assim, por falta de definição melhor, cobre um período de cinco décadas da história brasileira por meio de um mosaico composto por dezenas de famílias e mais de uma centena de tipos representativos da nossa população operária. 

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*Todas as resenhas são elaboradas por Alexandre Kovacs, um engenheiro que adora ler e acumular livros.

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