quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Solucionando o mistério da inflação

 Aquele era mesmo um caso para o economista Sarmento.

Texto de Carlos Eduardo Novaes

Pouco se sabe sobre a estranha doença chamada inflação, exceto que, representando uma perda do poder aquisitivo, provoca um aumento contínuo nos preços e bens de serviços. Sarmento, o economista, estava decidido a encontrar a resposta desse mistério. 

Pegou as teorias de Adam Smith, juntou-as as de David Ricardo e de John Maynard Keynes, multiplicou pelas taxas salariais, dividiu pela expansão do crédito, somou tudo com a velocidade da circulação da moeda e não chegou a qualquer conclusão. Estava quase desistindo, quando uma dona-de-casa sua vizinha sugeriu: “Por que você não procura a resposta indo diretamente a quem eleva os preços?” 

Um clarão iluminou a mente de Sarmento. A resposta estava muito mais próxima do que imaginava! Estava ali na feira da esquina da sua rua, no Rio de Janeiro. Sarmento agradeceu à vizinha e saiu para perguntar ao feirante por que elevara o preço da cebola. 

“Também tenho de viver, chefe”, disse ele. “Se comprei hoje mais caro, tenho de vender mais caro também.” 

Sarmento se irritou com a resposta. “Quer dizer que você é adepto da inflação? Só porque comprou mais caro, acha que deve vender mais caro. Você não pensa no bolso do consumidor?” 

“Assim eu sairia perdendo, chefe”, argumentou o feirante. 

“Quem foi o irresponsável que lhe vendeu a cebola mais cara?” indagou Sarmento. 

O feirante disse ao economista que tinha comprado as cebolas no Centro de Abastecimento. Sarmento se dirigiu para lá e foi de dedo em riste na cara do comerciante. “O senhor não tem vergonha? Aumentando o preço da cebola dessa maneira? Não sei onde estou com a cabeça que não lhe esfrego um quilo de cebolas no nariz!” 

O comerciante também tirou o corpo fora. “Eu tenho de viver! Por mim mantinha os preços, mas o caminhão chegou de madrugada com a cebola mais cara. Não posso fazer nada. Foram eles quem aumentaram o preço.” 

É isso aí, pensou Sarmento. Os transportadores fazendo sua especulaçãozinha e que paga é a dona-de-casa. Aguardou a madrugada e foi ao primeiro caminhão que chegava dos campos de produção. 

“Quer dizer que é você, hein? Aproveita a madrugada, enquanto todo mundo está dormindo, e aumenta o preço da cebola!” 

O transportador respondeu: “Eu? Não tenho nada com isso. Aumentei um pouquinho por causa do produtor. É ele quem planta, é ele quem dá o preço.” 

Sarmento na verdade nunca havia confiado muito nesses produtores. Pegou um ônibus e foi até um campo de cebolas. Ao encontrar um fazendeiro, disse: “O transportador já me contou tudo. O senhor é quem eleva os preços. Vou denunciá-lo ao governo.” 

“Está bem, confesso: fui eu. Mas o senhor já viu o tempo que está fazendo aqui?” 

Sarmento olhou para o céu. “Um dia lindo!” 

“Lindo para nós, mas horrível pras cebolas. Dia lindo pras cebolas é quando chove. E, se fosse só isso, eu ainda conseguiria segurar os preços. Mas, e os fertilizantes? O preço dos fertilizantes aumentou 85%!” 

Sarmento soltou um gemido. Quer dizer que são os fertilizantes! Foi visitar um vendedor especializado, que o recebeu muito bem. “Realmente aumentamos os preços dos fertilizantes”, disse ele. “Mas, compreenda, só fizemos isso para não fechar o escritório. O distribuidor nos vendeu o produto mais caro.” 

Sarmento sentiu que a resposta do enigma estava próxima. Foi direto ao distribuidor de fertilizantes, entrou na sala e disse de chofre. “O senhor, hein? Escondido aqui, e só manipulando os cordéis da inflação! Por que aumentou o preço dos fertilizantes?” 

O distribuidor tentou negar, mas Sarmento agarrou-o pelo pescoço. “Elevei um pouquinho”, gritou o homem, “mas que poderia fazer? Tenho quatro filhos, uma sogra entrevada e sou apenas um distribuidor. Esses fertilizantes potássicos são importados. Já vieram mais caros da França.” 

Sarmento pegou um avião; a fábrica ficava numa cidadezinha no norte da França. O diretor não recebeu Sarmento. Mandou a secretária despachá-lo. “O chefe disse que lamenta o preço das cebolas no Brasil, mas é que o do frete marítimo está cada vez mais caro.” 

A companhia de navegação que transportava os fertilizantes para o Brasil ficava no Panamá. Sarmento não usou de meias palavras. “O senhor está nos causando uma série de problemas com seus fretes”, disse ele ao presidente da firma. “Por sua causa ninguém pode mais comer cebolas no Brasil!” 

O presidente da companhia reagiu, indignado. “Por minha causa, não senhor! Sabe quanto os estaleiros estão cobrando por um navio novo?” 

A sede dos estaleiros ficava em Hamburgo. Falar com um alemão não era a mesma coisa que se dirigir a um feirante carioca. Sarmento entrou com cuidado. “Os senhores não podem aumentar o preço do navio assim, sem mais nem menos. Sabe quanto estamos pagando o quilo de cebola lá no Rio por causa dos senhores?” 

O alemão nem esperou Sarmento terminar. “E o senhor sabe quanto estamos pagando pelo aço que utilizamos em nossos navios?” 

Sarmento ficou com cara de bobo. Então eram as siderúrgicas que estavam provocando um aumento no preço das nossas cebolas. Os alemães compravam seu aço de uma siderúrgica na Grécia, onde a mão-de-obra é mais barata. Sarmento chegou a Atenas fervendo de raiva. “Exijo uma explicação!” berrou para o diretor da siderúrgica. “Por que os senhores aumentaram o preço do aço, que elevou o preço dos navios, que aumentou o preço do frete, que fez subir o preço dos fertilizantes, que elevou o preço da distribuição, que aumentou o preço dos produtores, que elevaram o preço dos transportes, que aumentaram o preço dos feirantes, que elevaram o preço da cebola?” 

O grego nem se abalou: “O senhor sabe de que é feito o aço? Então sugiro que vá às minas da África do Sul. Pergunte quanto eles estão pedindo pelo carvão.” 

As investigações chegavam ao fim; carvão é matéria-prima. Sarmento chegou à África do Sul já pensando na volta ao Rio. Enfim, agarrara os culpados. 

“Sinto muito que sua cebola tenha subido de preço”, disse o presidente da mina, “mas nosso negócio é carvão. Elevamos o preço, mas não tanto quanto deveríamos. Foi uma elevação insignificante, perto do que aumentaram nossos fornecedores de carrinhos e ferramentas.” 

A fábrica de carrinhos e ferramentas ficava num subúrbio de Tóquio. Sarmento deixou a mala no aeroporto e entrou apressado no escritório dos japoneses. Foi logo perguntando: “Vamos, diga aí! Quem obriga o senhor a elevar os preços dos carrinhos e ferramentas?” 

O japonês não titubeou. “Nossa balança de comércio exterior. Trocamos ferramentas por cebolas brasileiras. Com o atual preço das cebolas, não tivemos outro recurso. Já que o senhor está aqui, me diz uma coisa. Por que vocês vendem cebolas tão caras?”


(Texto da “Seleções do Reader's Digest”, outubro de 1985)

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