terça-feira, 24 de maio de 2022

Na hora de escolher uma companhia

 Fabrício Carpinejar

Definir um amor é como escolher uma casa para morar. 

Temos que ver onde bate o sol, qual a incidência da luz, onde secaremos as roupas, qual a proximidade do endereço dos nossos amigos e da família. 

Temos que conferir se o bairro é barulhento, se é perigoso, se podemos passear livremente de noite. 

Se o condomínio permite cachorro, se os vizinhos não são desagradáveis, desaforados e festeiros. 

Cada detalhe fará diferença em sua vida. É necessário pensar na localização para manter o seu emprego, para continuar trabalhando, para não ser sustentado por ninguém. 

Verifique se há um mercado, uma padaria, uma farmácia por perto, se não terá que se deslocar todo dia para muito longe com o objetivo de atender às necessidades básicas. 

Se desfrutará de elevador para as conversas, ou se enfrentará a subida de vários vãos de escada para iniciar qualquer assunto. Se a comunicação pelo prédio é fácil ou penosa. 

Se o quarto é antecedido de um corredor da educação, de uma preliminar de sedução e de enamoramento. Nada de atalhos, de relacionamentos impulsivos e violentos. 

Se contará com área de lazer para resgatar a sua infância ou emprestar a sua infância para os filhos. 

Se há uma porta para visitas, para acolher o círculo de afetos, e outra de fundos, para fugir discretamente da confusão. 

Se há varanda para olhar a movimentação da rua e espiar as estrelas. Se há um banheiro a mais, para não ouvir reclamações de sua bagunça ou de sua demora. 

Se há uma tendência para socialização, uma churrasqueira ou um salão de festas para soprar as tortas de aniversário, para nunca esquecer de comemorar os seus renascimentos. 

Se a casa é arejada, se não tem cheiro de mofo e de ácaro, odor de preconceitos, nem ambientes fechados e claustrofóbicos ideologicamente. É importante que apresente muitas janelas para ampliar os seus pontos de vista e perspectivas dos inúmeros lados da vida. 

Investigue se não resta nenhum ex vivendo de favor dentro de um quartinho, de um coração. Ou se a construção não é assombrada de fantasmas, oriundos de um trauma e de um recalque. 

Identifique se desfrutará, além dos territórios comuns do casal, de um esconderijo somente para você, para a sua privacidade de pensamento, para formar uma biblioteca ou um escritório, para fechar a porta e cuidar do seu amor-próprio. 

Se poderá mexer na terra em algum canteiro e decorar cantos com vasos de suas flores e plantas prediletas. 

Analise qual o tamanho da cozinha, se dispõe de uma mesinha para o café da manhã e espaço para coexistência de alimentações distintas. 

Conhecer um amor é como decidir-se por uma nova morada. Não faça financiamento para o seu sofrimento. 

(Crônica do jornal Zero Hora, 19 de maio de 2022)

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