sábado, 21 de maio de 2022

Punidos venceremos

 Por Fraga*

Arte: Rafael Sica 

Num dia de junho, ao dar de cara com uma charge que era a sua cara, Bozonaro engrenou verbos reativos: emburreceu, emputeceu, enlouqueceu. 

Como não bastou gritar basta! pela nona vez, decidiu invocar a Lei de Segurança Nacional. Aquela mesma que, se o senhor não tá lembrado dá licença de alarmar: a da Ditadura. Lei que, na matilha das leis que ameaçavam as liberdades, era um pitbull hidrófobo contra o livre pensar. 

Mandou abrir investigação contra o autor. Onde se viu chargista ousar um perfeito retrato falado da presidência? Danação! Dias antes, ódio nos olhos por charges certeiras contra a violência policial, já interpelara na justiça outros 4 chargistas. Se pretos e pobres das periferias continuam na preferência para apanhar e serem mortos, nunca irão faltar charges. 

Bozonaro já não sabe o que fazer com o enxame de chargistas ao redor da sua estupidez. São Aroeiras, Laertes, Benetts, Montanaros, Mors, Santiagos, Vasques e Hals, entre outros ferrões. Eles esvoaçam pela mídia e redes à procura do néctar ácido da realidade, com o qual produzem a crítica que tanto azeda Bozonaro e mobiliza a opinião pública. Charge é serviço à sociedade. 

Aos zumbidos, Bozonaro até se faz de surdo. Ele mesmo é mais barulhento que qualquer abelheira. As últimas ferroadas é que doeram na alma do desalmado. Aroeira picou mais fundo, ao transformar a cruz vermelha dos hospitais invadidos numa suástica bozonazista. Enquanto o impeachment não vem, serve pichação gráfica. 

Ao apelar à Lei de Segurança Nacional, o inseguro chefe do Executivo (que nada executa pro bem do país) mexeu com o vespeiro todo: mais de 150 chargistas aferroaram esse crente da morte e descrente na ciência. Por incitar as viróticas invasões hospitalares, fez jus ao repúdio a traço. 

O deprimente da república esquece o óbvio: só uma lei pode impedir charges contra desmandos de governantes e contra a violência policial – basta governar democraticamente e policiar sem truculência. De resto, os ataques de Bozonaro à democracia são mais virulentos que charges denunciadoras dos seus desatinos; e as canetas contra cassetetes, muitíssimo menos violentas que a própria PM. 

Bozonaro blefa em vão: não há como conter a inteligência ferina do humor. Nem como inibir centenas de artistas e coibir tantos espaços para manifestação. Tampouco censurar as artes da charge, do cartum, da tira, da caricatura. Ou decretar o uso exclusivo de nanquim rosa para suavizar a imagem do pior presidente que o Brasil já teve. 

Quanto menos democracia, mais chargistas e charges. 

Publicado em 15 de julho de 2020 

* Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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