segunda-feira, 2 de maio de 2022

Idoso é a mãe... só que não.

 Avanço da ciência e o abandono de velhos hábitos

transformaram os sessentões nos novos quarentões. 

Humberto Trezzi

“Não estou velha, estou uma beleza. Velha é a mãe”, rosnava a Dercy Gonçalves para o apresentador, fazendo eu e minha vó Soé darmos gargalhadas. A ex-vedete, atriz e comediante Dercy era uma idosa desbocada e inconformada, fora dos padrões, orgulhosa de suas belas pernas, que insistia em exibir na TV (ainda bem). Jovens, busquem aí nas redes, vale umas gargalhadas. 

Sempre me disseram, e cada vez mais dizem, que velhice é um estado de espírito. Você é o produto dos seus hábitos, dos seus traumas, também das suas virtudes. E, pelo menos na classe média, o avanço da ciência e o abandono de velhos hábitos não tão saudáveis transformou os sessentões nos novos quarentões (peguei emprestada essa expressão de uma ótima reportagem do Caderno Vida, publicada anos atrás em Zero Hora). 

Retomo o tema porque meus contemporâneos chegaram à terceira idade. Quando era jovem, fumar era charmoso e o sujeito com mais de 50 era enrugado, arrastava chinelos, se queixava de dores, do tédio da vida de aposentado. Pois os 60 anos estão chegando para uma legião de conhecidos e nem um deles se aproxima dessas figuras que descrevi. O Ronaldo, corredor inveterado, não exibe um milímetro de barriga e ainda pratica lutas marciais. O Rauber joga tênis, corre, sobe em penhascos e só denuncia um pouco a idade pelos cabelos brancos e pela aposentadoria. O Michels, também grisalho, percorre centenas de quilômetros de bicicleta, junto com a mulher, em passeios entre cidades. O Toco nada em água gelada e se tornou assíduo em beach tênis. Todos completaram ou vão completar sessenta em poucos meses. 

E não precisamos nos restringir aos sessenta. O Gentil nada no mar e dá saltos mortais, aos 87. A Helena mantém a beleza e o sorriso lindo, intactos, além das caminhadas, mesmo com 81. A Angie percorre de roller por quatro horas a fio as avenidas de Porto Alegre, com 47 e disposição de 30. 

Não que se trabalhe menos hoje. Com a mudança das regras trabalhistas, aposentar-se ficou mais distante. É preciso notar também que o aumento de anos de estudos e especializações jogou para adiante a consolidação da carreira profissional e, consequentemente, a aposentadoria. No campo e na periferia das cidades a vida é dura, a velhice soa como ameaça, como nos tempos dos meus avós. O que mudou é a disposição de muitas pessoas, sobretudo as que conseguiram um colchão financeiro, por pequeno que seja. Não se resignam, como criticou Raul Seixas, em passar as tardes de domingo no trono do apartamento (em frente a uma tela), com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar. Querem mais. 

Tenho um colega que, quando cruza por uma mulher bonita, pisca e diz, brincando: 

− Era bom, né, meu amigo! 

Piadinhas infames à parte, que as boas práticas perdurem por muito tempo. A propósito: a Dercy Gonçalves viveu até os 101 anos. Linda na sua molecagem. 

(Do jornal Zero Hora, maio de 2022)


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