segunda-feira, 27 de julho de 2020

Os personagens da obra de Nelson Rodrigues

Os 11 personagens mais emblemáticos da obra Rodriguiana


A Seleção do Nelson

 Por Ruy Castro

Eles surgiram em folhetins e em jornais, mas se libertaram de seu autor e tiveram de seu autor e tiveram vida autônoma, nos lares, nas ruas e nos botecos, sendo citados por todo mundo. Eis os personagens mais representativos de Nelson Rodrigues (...).

Dr. Arnaldo → Também personagem de Asfalto Selvagem e também uma espécie de resumo dos vários “pais de família” inventados por Nelson Rodrigues, é juiz de Direito, homem de bem, respeitadíssimo, inatacável, enfim, um poço de virtudes − mas, secretamente, adúltero, quase incestuoso e tarado de modo geral.

Sobrenatural de Almeida → Personagem de suas crônicas esportivas no Globo e no Jornal dos Sports. Era um abominável ente das trevas, que aparecia de repente para alterar demoniacamente o resultado das partidas, levando à derrota o Fluminense, time de Nelson, ou a seleção brasileira, seu segundo time.

Engraçadinha → Heroína do folhetim Asfalto selvagem (1959-60), publicado na Última Hora e, depois, em livro. Engraçadinha é fascinante, principalmente na primeira parte da história, que cobre sua vida dos 12 aos 18 anos. É a suma da adolescente rodrigueana − linda, com sexo à flor da pele e deliciosamente sem escrúpulos. Outras no estilo Engraçadinha foram Silene, filha desta, e Glorinha, heroína do romance O Casamento.

Grã-fina das narinas de cadáver → Outra personagem das crônicas esportivas. É a mulher que, ao entrar no Maracanã pela primeira vez, perguntou, entusiasmada: “Quem é a bola?” Mas, cinco minutos depois de começado o jogo, já podia ser considerada uma enciclopédia do futebol. Baseada em várias grã-finas cariocas que gostavam de convidar Nelson para seus saraus − aos quais ele adorava comparecer.

Padre de passeata → Em 1968, auge das passeatas estudantis, Nelson satirizou com essa imagem os padres “progressistas”, que, segundo ele, trocaram a pregação da vida eterna pela da luta armada e, com isso, ameaçavam fazer do Brasil “o maior país ex-católico do mundo”. Frequente nas suas crônicas de jornal. Pouco depois, daria origem à sua contrapartida feminina: a freira de minissaia.

Palhares, o canalha → Aquele que, ao passar pela cunhada no corredor, pespegou-lhe um beijo no pescoço. (“Um chupão!”). Protótipos de Palhares apareceram em inúmeros contos de A Vida Colo Ela É..., mas, com esse nome e perfil, nasceu nas crônicas do Globo e aparecia repetidamente nelas.

A Pátria em Chuteiras → Personagem coletivo de Nelson. Era o Brasil, é claro − ou, mais exatamente, a torcida brasileira, no tempo em que ela era apaixonada pela seleção. E não admira: era a seleção de 1958 a 1970, com Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Jairzinho, Rivelino, Gerson, Tostão, Carlos Alberto e tantos mais, todos atuando em times brasileiros, e que jogava com frequência no Maracanã ou no Morumbi, ao alcance do amor do torcedor.

A estagiária de calcanhar sujo → Estudante de jornalismo da PUC, estagiária do Jornal do Brasil e toda moderninha. O tipo existia às dezenas no Rio de fins dos anos 60 e, estranhamente, correspondia à descrição do calcanhar sujo, por usar sandálias junto com a minissaia. As estagiárias perseguiam Nelson, todas querendo entrevistá-lo para descobrir como alguém podia ser tão assumidamente “reacionário”, numa época em que ser acusado disso era pior do que xingar a mãe.

 Amado Ribeiro → Repórter da Ultima Hora na vida real e amigo de Nelson, que usou como personagem (com seu próprio nome) em Asfalto Selvagem e na peça O Beijo no Asfalto. Nelson o descreve como totalmente amoral, capaz de tudo por uma manchete. “Eu sou pior, eu sou pior!”, dizia Amado, limpando a boca encharcada com as costas da mão.

Otto Lara Resende → Também tirado da vida real, o jornalista e escritor (1922-1992) foi consagrado por Nelson como o homem das frases geniais: “É pena que um taquígrafo não ande atrás dele, as 24 horas do dia, pago pelo Estado, para imortalizar-lhe as frases perfeitas”. Nelson atribuiu-lhe a frase “O mineiro só é solidário no câncer” e usou-o como título da peça Otto Lara Resende, ou Bonitinha, Mas Ordinária (1962).

Suzana Flag → Foi o primeiro “personagem” de Nelson a ganhar vida própria. Ele a criou em 1944, como um pseudônimo, para assinar os folhetins que começou a escrever para os Diários Associados (estreando com Meu Destino É Pecar). As pessoas acreditaram que Suzana existia e muitos se apaixonaram por aquela mulher que ousava “contar tudo”. Recebeu até proposta de casamento. Depois de Suzana Flag, Nelson criou Myrna, que respondia a um consultório sentimental.

(Em “O Show da Vida em Revista – Fantástico”,

novembro de 2007)


Nelson Rodrigues por Miguel Falcão


                         Personagens de Nelson Rodrigues


 
 

 Nelson Rodrigues por Loredano

A lista abaixo não é nem pretende ser exaustiva. Foram contemplados nela alguns personagens mais destacados da obra dramática como um todo, mas especialmente os personagens-tipo que povoavam as crônicas rodriguianas. Quem começa a ler essas crônicas vai se deparar com certeza com “cretinos fundamentais”, “idiotas da objetividade”, “padres de passeata” e “vizinhas gordas e patuscas”, entre outros, que aparecem reiteradas vezes e representam determinados papeis na economia do texto. As definições, apenas uma espécie de instantâneo, são um misto de citação e paráfrase do próprio texto habitado pelos personagens.

Alaíde – Sofre um acidente misterioso e fica alucinando entre a vida e a morte, período em que reconstrói mentalmente a história da prostituta Madame Clessi. Casada com Pedro, que já foi namorado de sua irmã. Alaíde desconfia que os dois têm um plano para matá-la. (Vestido de noiva)

Amado Ribeiro – Jornalista que vê Arandir beijar o homem atropelado e resolve tirar proveito disso. (O beijo no asfalto)

Arandir − Homem casado, que beija a boca de outro homem, que acaba de ser atropelado, realizando assim seu último desejo antes de morrer. (O beijo no asfalto)

Banderinhas artilheiros – São aqueles que “convertem” gols para a equipe vencedora com suas marcações duvidosas de jogadas.

Boca de Ouro − Bicheiro temido e megalômano, que tem esse apelido porque, ao melhorar de vida, trocou os dentes perfeitos por uma reluzente dentadura de ouro. (Boca de Ouro)

Cabra vadia – Única testemunha das entrevistas imaginárias feitas por Nelson Rodrigues num terreno baldio.

Ceguinho – Personagem que fica extasiado em assistir aos jogos do Fluminense.

Cretinos fundamentais – “O cretino fundamental é o inimigo do escrete”, normalmente comentaristas de futebol que sempre têm uma visão pessimista com relação à seleção brasileira. (Brasil em campo)

Dona Aninha − Doida pacífica, mãe de Olegário (A mulher sem pecado)

Diabo da Fonseca − É chamado para ressuscitar Dorothy Dalton, o marido de Ivonete e, depois que o faz, acaba casando com a moça, como recompensa. (Viúva, porém honesta)

Dorothy Dalton – Marido de Ivonete que morre atropelado por um carrinho do Chicabon. (Viúva, porém honesta)

Dona Márcia − ex-lavadeira e mãe de Lídia (A mulher sem pecado)

Elias – Irmão de criação de Ismael, invejado por ele por ser branco. (Anjo negro)

Estagiária de calcanhar sujo − Variação da estudante de psicologia, mas que preferiu formar-se em jornalismo.

Estudante de psicologia da PUC − Jovem da elite carioca, estudante da Pontifícia Universidade Católica. Nelson se referia a esse personagem-tipo como alguém que “entende nossos sentimentos”. (À sombra das chuteiras imortais)

Freira de minissaia – O mesmo que padre de passeata, ou melhor, sua versão feminina.

Idiotas da objetividade – Indivíduos que não conseguem entender as coisas mais evidentes.

Ismael – Médico bem-sucedido, Ismael é negro e renega a sua raça. Construiu uma fortaleza para impedir que a esposa Virgínia tivesse contato com homens brancos. (Anjo negro)

Ivonete Guimarães − Filha de J.B. Albuquerque Guimarães, a moça fica viúva muito jovem e resolve manter-se assim, respeitando a memória do marido morto. (Viúva, porém honesta)

J.B. de Albuquerque Guimarães − Diretor do jornal A Marreta que faz de tudo para que a filha Ivonete abandone a condição de viúva e lhe dê netos. (Viúva, porém honesta)

Lídia – Esposa de Olegário, tem um caso com Umberto, o chofer, e foge com ele. (A mulher sem pecado)

Lúcia – Irmã de Alaíde, aparece durante boa parte da peça como a Mulher do Véu. Depois da morte da irmã, consegue ficar com Pedro. (Vestido de noiva)

Madame Clessi − Cocote de 1905 que povoa a mente de Alaíde, representando a mulher liberada. (Vestido de noiva)

Maurício − Irmão de criação de Lídia, é acusado por Olegário de manter uma relação incestuosa com a irmã. (A mulher sem pecado)

Olegário − Paralítico recente e grisalho, marido de Lídia, de quem tem um ciúme obsessivo. (A mulher sem pecado)

Padre de passeata – Religioso que, no fim dos anos 1960, participava de manifestações de rua contra a ditadura militar em trajes civis.

Pedro – industrial, marido de Alaíde e depois de Lúcia. (Vestido de noiva)

Quadrúpede de vinte e oito patas – Sujeito que se proclama de bom grado ignorante. Ou, como diria Nelson Rodrigues, “Narciso às avessas que tratava a própria imagem a pontapés.” (Brasil em campo)

Gordo de três papadas e três bochechas em cada face − Marido da grã-fina de nariz de cadáver.

Grã-fina de nariz de cadáver – Representante da alta sociedade, que admira o cronista e o obriga a comparecer a suas festas.

Gravatinha − Traz bons fluidos para o escrete tricolor. “Desde seu falecimento, ocorrido em 1918, o ‘Grava­tinha’ só baixa do Além para ver as vitórias do Fluminense. Quando o Tricolor vai ganhar, ele comparece, infalivelmente.” (Jornal dos Sports, 10/11/1967)

Palhares, o canalha – Sujeito que não respeita nem a própria cunhada.

Profeta – Vaticinava vitórias do Fluminense e sofria horrores quando suas previsões não se confirmavam.

Sobrenatural de Almeida − Entidade invisível que modificava bruscamente alguma situação durante uma partida de futebol. Vivia, por exemplo, interferindo nos jogos do Botafogo.

Virgínia – Casada com Ismael, a moça assassina os próprios filhos. (Anjo negro)

Vizinha gorda e patusca − Vizinha gorda, cheia de varizes, tem sempre uma opinião a dar.

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