Paulo Mendes
Carrego
comigo a ideia de que as porteiras se fecham, mas também nos abrem o caminho
para o mundo. Minha mãe dizia: “olha, meu filho, quando Deus fecha uma porta, Ele
abre duas janelas”. Eu via assim. Quando era bem guri, tínhamos um portãozinho
de ferro, que se quebrou quando um boi brabo se desgarrou de uma tropa e entrou
intempestivamente em nosso pátio. Depois que a mãe abriu o bolicho, derrubaram
a cerca da frente. Primeiro colocaram uns varões de eucaliptos, mais tarde deixaram
aberto mesmo, facilitando a chegada dos clientes, para que pudessem atar os
cavalos nas tramas ao lado da porta da venda. Lembro ainda que o pai se
preocupava muito com as porteiras das pequenas lavouras que fazia, de azevém,
de cana, de milho e de mandioca, tudo para servir de forragem para as vacas
leiteiras no inverno. Às vezes, quando esquecíamos uma delas abertas, era
sermão, era briga, era promessa de surra, mas ele tinha coração brando, nunca
cumpria.
Porteiras
também são sinônimo de espera. “Te aguardo na porteira, tal hora.” Todos
lembram, nos recados das rádios do interior, era comum, antes do advento do
celular e das redes sociais, a mensagem tradicional de “fulana diz que vai para
a fazenda no dia tal, favor alguém esperar na porteira, chegará no ônibus das
seis horas”. Então, alguém ia com um cavalo encilhado, com uma charrete, com
automóvel buscar essa pessoa que vinha da cidade. E esperava na porteira.
Quantas horas um coração apertado não sofreu e bateu descompassado ao lado do
grosso moirão da porteira, em vão, pela volta do amado ou da amada? Ah, meus
senhores, minhas senhoras, se essas porteiras falassem, livros e livros seriam
escritos de tanta coisa que se passou por essas imediações.
Quantas
porteiras se abriram, quantas porteiras se fecharam por esse Rio Grande de São
Pedro. E continuam se abrindo e fechando, todos os dias, deixando passar
pessoas, sonho e vidas que vão e voltam. Quantas vezes abrimos uma porteira
receosos, mas sem saber que ali ficaremos anos e anos? Essa porteira, no caso,
se abre para um rancho lá na frente, onde está outra alma, igual à outra, que anda
à espera de um abrigo. O viajante também tem sede de descansar. E as duas almas
fincam morada ali e não “hay” nada que abra aquele laço de ferro que se ata
depois da porteira. Porém, existem dias em que a gente fecha a porteira e se
manda estrada afora, para sempre, sem olhar para trás. Depois, após muitos
anos, algum de nós volta, mas daí não é mais a mesma coisa, tudo será
diferente, algo se partiu, se rompeu, será diferente.
Criei-me
vendo gaúchos abrindo e fechando porteiras de todos os tipos e modelos. E as
enxergava como equipamento dentro de um processo de movimentos e deslocamentos.
Era isso, isso e mais alguma coisa, um símbolo sutil dos espaços e das medidas,
do nosso, do alheio, do conhecido, do nem tanto perceptível e até do
desconhecido. Para além das porteiras está o mundo do improvável. Nas porteiras
ficam vestígios de lágrimas, de tristeza sem fim, ficam as saudades emaladas de
alguém que se foi no lombo de um cavalo bragado, na boleia de uma caminhoneta,
de uma charrete. Ficaram até os passos delicados de quem se foi, sumindo ao
longe, na tarde gris de um domingo.
(Da coluna “Campereada”, Correio do Povo,
julho de 2020)
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