O sofrimento de Alcides Gonçalves
Alcides Gonçalves, ao violão, e
Lupicínio Rodrigues
(...)
Alcides me contou a história de Quem há
de dizer, de cujos versos é o inspirador. Ele era pianista na boate Marabá,
onde tinha uma mulher, Maria Helena. Enquanto tocava, controlava, pelo espelho
em frente ao piano, o movimento do salão. E dali assistia, com infinita
tristeza, à sua Maria Helena assediada por mil garanhões. “Um dia, o Lupicínio
chegou, olhou pra mim, olhou prum canto onde uns sete ou oito homens disputavam
a Maria Helena, ficou debruçado na escada e já martelou”. Depois: “Meu camaradinha, bota uma musiquinha nesta
letra aqui”:
Quem há de dizer,
Que quem vocês estão vendo,
Naquela mesa bebendo,
É o meu querido amor.
Que quem vocês estão vendo,
Naquela mesa bebendo,
É o meu querido amor.
Reparem bem
Que toda vez que ela fala,
Ilumina mais a sala
Do que a luz do refletor.
O cabaré se inflama
Quando ela dança,
E com a mesma esperança,
Todos lhe põem o olhar.
E eu o dono,
Aqui no meu abandono,
Espero morto de sono
O cabaré terminar.
Rapaz,
leva esta mulher contigo,
Disse me uma vez um amigo,
Quando nos viu conversar.
Disse me uma vez um amigo,
Quando nos viu conversar.
Vocês
se amam,
O amor deve ser sagrado,
O resto deixa de lado,
Vai construir o teu lar.
O amor deve ser sagrado,
O resto deixa de lado,
Vai construir o teu lar.
Palavra,
quase aceitei o conselho,
O mundo, esse grande espelho,
Foi que me fez pensar assim.
Ela nasceu com o destino da lua,
Pra todos que andam na rua,
Não vai viver só pra mim.
O mundo, esse grande espelho,
Foi que me fez pensar assim.
Ela nasceu com o destino da lua,
Pra todos que andam na rua,
Não vai viver só pra mim.
Alcides
musicou na hora. E em seguida, tendo que ir a Nova Iorque onde o irmão (Valter
Gonçalves, baterista de Glenn Miller) estava morrendo, aproveitou a passagem
pelo Rio de Janeiro para procurar o amigo Francisco Alves. Encontrou-o no
Jockey Club, cercado de mulheres: “Não, não me mostra agora que eu não quero
saber de música!” Alcides, brabo, seguiu viagem, encontrou o irmão já morto e
voltou. Corte para alguns meses mais tarde, no teatro Carlos Gomes, no Rio: um
cantor da companhia de revistas da Dercy Gonçalves (que atuara há poucos em Porto Alegre )
cantando Quem há de dizer. E na
plateia, ouvidos atentos, o bem-informado Francisco Alves. A seguir, foi um tal
de mandar cartas pro Sul, pedidos suplicantes pela música, que Alcides atendeu,
mas só tempos depois: estava assim vingado da esnobação do amigo Chico Viola.
(Do livreto “Lupicínio Rodrigues”, de Mário Goulart)
Alcides Gonçalves:
1º/10/1908, Porto Alegre, RS − 9/1/1987, Porto Alegre,
RS.
P.S. Esta música está na
internet na voz de Nélson Gonçalves.
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