terça-feira, 21 de julho de 2020

O soneto e as paródias

Parte 1


AS POMBAS

Raimundo Correia

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

OS VOTOS

Ângelo Bitu
(pseudônimo, entre outros, de Bilac)

Vai-se a primeira votação passada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De votos vão-se da Assembleia, apenas
A sessão começou da bordoada!

Sopra sobre Ele a rígida nortada...
Que saudades das épocas serenas
Em que Ele e os outros, aparando as penas,
Tinham apurações de cambulhada!

O seu bom-senso todos apregoam...
Afastando-se d'Ele, os votos voam,
Como voam as pombas dos pombais...

As esperanças o seu voo soltam...
E Ele vê que aos pombais as pombas voltam,
Mas esses votos não lhe voltam mais!

A REVOADA

Lisindo Coppoli

O primeiro ministro lá vai indo;
Outro o segue, outro mais, enfim o bando
Inteiro solta as asas azulando,
Antes que a demissão os vá impelindo.

Também as pombas do soneto lindo,
Na rósea madrugada, vão deixando
O ninho amigo, ao qual irão voltando,
Ansiosas, quando a tarde for caindo.

Mas aqui não há pombas nem pombais:
Há ministros que partem em surdina,
Certos de não voltarem nunca mais.

Deixam o ministério sem alarde;
E o povo que lhes deve a triste sina,
Olhando o voo, suspira: − Já vão tarde!

AS MINHAS NOTAS

Zé Fidélis

Bai-se a primãira pomba dispertada,
I, após iéla, oitra, mais oitra i oitra mais!
Aimfim, uma purçãon bai indo aim buarada,
Nunca bi uma squadrilha aim prupurções tais!

Lá bão iélas! Pra longe, pra bãim longe até!
Talbêz quêir na farra, num pumbal distante,
Vrincare, guzare a bida qui bãim curta ié!
I pra bultare nãon prucisam di sistãite...

Tambãim, como as tais pombas du Reimundo,
Sai u dinhãiro buando du meu volso fundo.
Cada notinha linda, cada p'lega nóba!

Mas as pombas boltam logo qu'anoitece,
Que ficare nu sireno não lhis ap'tece
E as minhas notas, essas... boltam uma óba!...

O soneto e as paródias

Parte 2


MAL SECRETO

Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

MAL DISCRETO

Bastos Tigre

Se a prontidão, a pinda, a quebradeira
E os vários males desta mesma classe,
Tudo o que punge a tísica algibeira,
Sobre o rosto do “pronto” se estampasse;

Se se pudesse a crise financeira
Ler “através da máscara da face”,
Quanta gente, talvez, que da primeira
Fila, então, para a última passasse...

Quanta gente nós vemos, quanta gente,
Cuja gravata, cautelosamente,
Uma camisa enxovalhada esconde!...

Quanto moço elegante e perfumado
Que anda, imponente, de automóvel... fiado,
Porque lhe faltam níqueis para o bonde!

MAL SICRETO

Furnandes Albaralhão

S'a cólera que põe danada a gente,
Distrói a paz da bida disijada,
Tudo o que nos vilisca intiriormente
Suvisse à nossa cara, qu'istupada!...

Si si pudesse, a ialma padicente,
Bêre pur trás de muita guergalhada,
Canta gente a se rire vestamente,
Que era muito milhóre estar calada!

Canta gente só ri pra disfarçare
Um turco à porta que lhe bem cuvrare
A quemisa, a ciloira, a maia, u cinto...

Cantos há nesse mundo a três por dois,
Que tendo à janta só cumido arroz,
Arrotam p'ru, laitão e binho tinto!

O soneto e as paródias

Parte 3


OUVIR ESTRELAS

Olavo Bilac

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

OUVIR ESTRELAS

Bastos Tigre

Ora, direis, ouvir estrelas! Vejo
Que estás beirando a maluquice extrema.
No entanto o certo é que não perco o ensejo
De ouvi-las nos programas de cinema.

Não perco fita; e dir-vos-ei sem pejo
Que mais eu gozo se escabroso é o tema.
Uma boca de estrela dando beijo
É, meu amigo, assunto pra um poema.

Direis agora: − Mas enfim, meu caro,
As estrelas que dizem? que sentido
Têm suas frases de sabor tão raro?

− Amigo, aprende inglês para entendê-las,
Pois só sabendo inglês se tem ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

UVI STRELLA

Juó Bananére

Che scuitá strella, né meia strella!
Vucê stá maluco! e io ti diró intanto,
Chi p'ra iscuitalas moltas veiz livanto,
I vô dá una spiada na gianella.

I passo as notte acunversáno co'ella,
Inguanto che as otra lá d'un canto
Stó mi spiano. I o sol come un briglianto
Nasce. Oglio p'ru céu: − Cadê strella?!

Direis intó: − Ó migno inlustre amigo!
O chi é chi as strellas ti dizia
Quano illas viéro acunversá contigo?

E io ti diró: − Studi p'ra intendela,
Pois só chi giá studô Astrolomia,
É capaiz de intendê istas strella.

OUVIR O MESTRE

Eno Teodoro Wanke

“Ora (direis) ouvir o mestre... Certo
perdeste o senso!” − Eu vos direi, no entanto,
que, para ouvi-lo, muita vez desperto
no meio da aula, pálido de espanto!

E como fala o homenzinho, enquanto
meu relógio não anda... É que, decerto,
parou! Sacudo. Escuto. Não... E, em pranto,
comprovo quanto o início ainda está perto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
E esse teu professor... Oh, que sentido
tem o que diz?...” Mas eu nem ligo,

e vos direi: “Pois queira ser doutor!
− Só quem tal quer, consegue ter o ouvido
capaz de suportar um professor!” 



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